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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Entrevista sobre a PEC 51/13 com o ex-secretário Nacional de Segurança

  
A Anaspra convidou o antropólogo Luiz Eduardo Soares, considerado um dos maiores especialista  em   Segurança Pública  para falar  sobre a Proposta de  Emenda Constitucional n° 51/2013 conhecida como PEC 51,  apresentada   pelo  Senador Lindbergh Farias.   Luiz, carioca  de   59 anos,  foi  coordenador  Estadual de  Segurança, Justiça e Cidadania no governo Antony Garotinho e  também Secretário Nacional de Segurança durante o  governo Lula e  é considerado um  dos  principais  articuladores da PEC 51, que  propõe um novo  modelo institucional para  a Segurança Pública.
 
ANASPRA: Qual a ideia força da PEC 51/2013?
LES: Transformar radicalmente o artigo 144  da Constituição Federal que define a arquitetura  institucional da segurança pública no  Brasil.  Portanto a ideia  força da  PEC é transformar  profundamente a estrutura da  segurança pública que a sociedade brasileira  herdou da  ditadura em  benefício  da sociedade e dos policiais porque hoje ninguém está satisfeito  com   as  instituições que nós temos e com os resultados alcançados. É como se a transição democrática não tivesse chegado até a área da segurança. O Brasil mudou profundamente em todos os setores. Nesses últimos 25 anos, mas na segurança, permaneceu estagnado: a lógica  da defesa do Estado e não da prestação de serviço à cidadania, continua prevalecendo. A ideologia da guerra ao inimigo interno foi preservada, em lugar da ideia democrática de que segurança significa garantia de direitos.
ANASPRA: "Nas ideias forças da PEC 51/2013, estão a des­ militarização, desconstitucionalização, polícia de ciclo completo, acesso único ou carreira única, e sindicalização. Fale um  pouco acerca de cada questão substantiva destas ideias centrais que indubitavelmente afetará os profissionais da segurança pública,  mais  notadamente os  Policiais Militares  e  seus efeitos na prestação de serviços à sociedade.
LES: Pois é todos os problemas  estão  na   continuidade da ditadura. Por isso, costumo dizer  que  a mudança proposta pela PEC não  é mais  que  a extensão   tardia   da  transição democrática  à  segurança pública.   Veja:  os  policiais   que fazem   o   trabalho   ostensivo­preventivo ainda são militares, proibidos de  se  organizarem em sindicatos.  São tratados com regimentos disciplinares absurdos e inconstitucionais. As praças continuam a ser cotidianamente subestimados quando não desrespeitados como pessoas. Cidadãos e trabalhadores. A estrutura militar os desautoriza bloqueando sua indispensável autonomia profissional. A organização centralizada, verticalizada e autoritária substitui o pensamento pelo cumprimento de ordens. Além dos problemas que decorrem da natureza militar da   instituição.   Ainda há os que derivam da dupla carreira que separa praças e oficiais. São dois mundos distintos dentro de uma mesma polícia. Como esperar coesão interna? Como esperar que os "debaixo" se sintam estimulados e motivados, abraçando a causa de uma verdadeira segurança pública democrática que respeite os direitos humanos de todos a começar pelos direitos humanos dos próprios policiais? Como esperar que essa polícia atue com  equidade reconhecendo a igualdade de todos os cidadãos perante as leis se ela não sabe o que é equidade internamente? Por outro lado a  polícia   civil não é menos problemática. Também é dividida em duas castas: dois mundos. Para piorar ainda mais a situação, as duas polícias. A militar e a civil, que na prática são quatro. Dividem ao meio o ciclo do trabalho policial: prevenção e ostensividade para um lado; investigação para outro lado. Essa quebra do ciclo policial é criticada por mais de 70 % dos policiais brasileiros. Não funciona e nem pode funcionar. É como se num jogo de futebol um dos times se dividisse ao meio: metade dos  jogadores só poderia driblar e centrar. A outra metade só poderia chutar a gol e cobrar  escanteio  e lateral.
A zaga abriu espaço eu vejo o gol crescer à minha frente. Nesse momento eu paro, espero um dos companheiros chutadores se aproximarem. Porque  cabe  exclusivamente a eles o chute a gol. Mas eles não podem driblar,  nem quando surge a oportunidade.Parece  e é uma piada. Mas na segurança não é muito diferente. Quem vive o dia a dia das polícias sabe. E tanto é verdade que as polícias  não  respeitam a divisão  do ciclo  e ora a civil patrulha e faz blitz, ora a militar desloca o P2 da investigação interna  para  a externa. Enfim, um absurdo que se soma  a outros. E os salários são indignos o que tem a ver com muitos fatores entre os quais a duplicidade de mundos dentro de cada polícia e o veto à sindicalização da PM por sua natureza militar.
Outro problema também originário do artigo 144 da Constituição Federal é que a União assume  pouquíssimas responsabilidades na segurança pública e o município  menos ainda na  contramão do  que ocorre em todas as demais áreas importantes. Basta analisar como se estruturam a saúde, a educação, a assistência social. União, estados e municípios dividem responsabilidades em estruturas complementares. O que acontece hoje com as guardas municipais é sintoma da quase ausência do município da distribuição de atribuições na Constituição Federal. Por essas razões a  PEC-51 propõe  a desmilitarização das PMS. O fim  do  ciclo   dividido de  trabalho   policial, ou  seja,  todas  as polícias que  existem ou que  venham  a existir terão de  operar em ciclo  completo fazendo as tarefas ostensivas e investigativas. Propõe também que a União assuma maiores responsabilidades em vários campos da segurança como na formação e na informação.
A preparação dos  policiais hoje no Brasil é uma "Torre de Babel". Há certas polícias esta­ duais que formam seus profissionais em um mês. Outras em oito meses, por exemplo, e to­ dos têm o mesmo nome policiais. Imagine isso na medicina ou na engenharia? O vale tudo é  injustificável!   Na medicina existem várias especialidades, porém todos os médicos fizeram  um  ciclo comum e  têm uma formação básica compartilhada  não  importando o estado em que  estudaram, nem a especialidade à qual  se dedicaram. A União tem de criar um conselho  federal  de  educação policial no Ministério da Educação para  regulamentar e supervisionar a formação.
Além  disso é  indispensável enfatizar que a PEC 51 garante que nenhum direito  trabalhista será afetado  pelas  mudanças. Direito adquirido será inteiramente respeitado.  Como os estados  brasileiros são  muito diferentes em   todos   os   aspectos.  Esta PEC propõe que desde  que   se   respeitem  os princípios  gerais (desmilitarização, ciclo  completo e carreira única),  cada  estado  terá  a liberdade de  escolher seu mo­ delo  policial combinando dois critérios: territorial e tipo criminal.  Chamamos essa  transferência  de  poder aos  estados de desconstitucionalização. Assim um estado poderia, por exemplo, criar  polícias  civis municipais de ciclo completo e carreira única  nos  municípios com mais  de 500 mil habitantes e elas se dedicariam exclusivamente às transgressões  de pequeno  potencial   ofensivo. Este mesmo  estado   poderia  criar  uma  polícia  civil de ciclo completo e carreira única para atuar  em  todo  estado  contra todo  tipo de  delito, menos de  pequeno potencial ofensivo nas  cidades com  mais  de 500  mil  habitantes e  menos o crime  organizado que  seria enfrentado por uma  outra  polícia civil  de  ciclo  completo e carreira  única, a qual operaria em todo o estado, exclusivamente voltado para enfrentar esse  tipo  específico  de criminalidade.
ANASPRA: É possível uma Polícia de Ciclo Completo Militarizada?
LES: Do meu ponto de vista não, e modo algum. Tratar a abordagem ao cidadão.  O patrulhamento, o trabalho ostensivo de uma perspectiva militar me parece uma insensatez. que se choca com as necessidades de um policiamento  moderno e democrático. ele tipo comunitário ou  de proximidade orientado  para  a resolução de problemas. Agora, atribuir  a responsabilidade pela investigação a uma  instituição militar  me parece  mais do que insensatez, me parece uma agressão direta aos direitos civis.
ANASPRA: E qual proposta para os Bombeiros Militares? Cinco Estados ainda mantém o comando nas "mãos" do Comandante Geral da Polícia Militar, ou  seja,  o  Corpo  de Bombeiros  não  é separado, não  possui autonomia administrativa, mais  notadamente dos  recursos orçamentários. Então temos dois modelos. Um de independência dos bombeiros que  não  mais se vinculam as PM e noutros Estados, separados. Há alguma diferença ou tratamento dis­ pensado no caso do Corpo de Bombeiros?
LES: Se as PMs deixarem  ele ser militares e de serem ligadas umbilicalmente ao exército como  sua  força  reserva, conforme diz  o artigo  144 da Constituição Federal, elas não terão motivos para comandar os bombeiros, pois  estes  não serão mais  militares  serão civis e independentes uma  decorrência natural  da PEC-51, caso ela venha a ser aprovada.
ANASPRA:   Professor, uma das garantias na aposentadoria dos  militares estaduais encontra-se na paridade entre  ativos, inativos e pensionistas, com  os   militares da  ativa. Esta é uma das  garantias que  se vinculam, necessariamente, aos militares. Com a proposta de mudança, estas garantias da paridade entre  ativos e inativos será mantida?
LES:  Como  disse  antes, a PEC-51 é muito clara  a  esse respeito. Ela diz explícita   e enfaticamente, que todos os direitos , sem  exceção, serão integralmente respeitados. Nenhum policial militar ou civil poderá ser prejudicado. Mudanças quanto à aposentadoria, por exemplo, só poderão valer  para  quem  for contratado para as novas polícias que vierem a ser criadas  depois  da aprovação da PEC-51, caso ela seja aprovada.
ANASPRA: Em que aspecto a organização militar das polícias a torna mais e/ou menos eficiente  para  a   realização das  ações de polícia no  mo­ delo de ciclo completo?
LES: O  melhor   trabalho   ostensivo-preventivo  acontece quando  opolicial,narua atua como  gestor(a)nolocal da segurançapública.Issoquer dizeroseguinte:opolicial vai ter de  fazer  um  diagnóstico, observando  e  analisando  os dados coletados pelas instituições  e por outros que se dediquem à pesquisa de temas pertinentes naquele território, estudando as situações, ouvindo muito a comunidade, dialogando, identificando as prioridades. Com base nisso, terá de planejar ações para as quais vai precisar  da colaboração  da  comunidade local  e de outros setores do governo, além do apoio de sua instituição. Esse esforço requer preparo  interdisciplinar e liberdade  para  pensar  e  agir. Claro que exigirá supervisão sobre tudo, independência, liderança, capacidade de conquistar a confiança popular, abertura para o diálogo e muita  valorização do profissional que está na rua (valorização salarial e educacional, moral e institucional), ou seja, o melhor  tipo de trabalho possível capaz de prevenir  o crime  e a violência. Não apenas correr   atrás  do leite derramado. O melhor desempenho não é possível em uma  estrutura organizacional militar, centralizada e autoritária. O melhor policiamento exige uma instituição horizontal, flexível, criativa em que o agente na ponta participe ativamente e seja visto e respeitado como aquele que é responsável pelo trabalho mais difícil e mais importante.
 
ANASPRA:  Como   estão    as articulações em  prol da  PEC 51/2013,  seja  no  Congresso Nacional, com os trabalhadores e academia?
LES: Estamos trabalhando muito para que a PEC 51 seja conhecida pelos profissionais de segurança pública e por toda a sociedade.  Acredito que a mobilização crescerá  na medida em que PEC for mais conhecida, pois a adesão da maioria será bastante natural, penso assim porque a PEC 51 que se deve à coragem, aos compromissos democráticos e a visão do senador Lindebergh Farias nasceu e eu dei minha contribuição ao processo de amplas consultas aos policiais de todo o Brasil, assim como a muitos outros setores sociais. Portanto acredito que a maioria vai achar na PEC seu próprio desejo refletido. A PEC 51 não saiu do bolso do colete. Ninguém inventou a roda. Ela é fruto de décadas de lutas de inúmeras lideranças policiais e de inúmeros ativistas pelos direitos humanos.

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