Desmilitarização
da polícia requer emenda constitucional, segundo especialistas.
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O tema da
desmilitarização da polícia voltou ao debate no Brasil, após diversos episódios
recentes de violência policial contra manifestantes e o desaparecimento do
pedreiro Amarildo de Souza, na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro.
Na Câmara
Federal, uma nova PEC (Proposta de Emenda Constitucional) sobre o tema foi
apresentada aos parlamentares. Mas tanto ativistas quanto lideranças políticas
ainda não conseguiram chegar a um consenso sobre a pergunta: é possível acabar
com a militarização da polícia?
Atualmente,
o Brasil tem dois tipos de polícia. A militar é responsável pela repressão
direta aos crimes e pelo patrulhamento ostensivo. A civil é a polícia
judiciária, que exerce o papel da investigação e leva os casos ao poder
Judiciário.
Qualquer
alteração nessa estrutura necessita de uma mudança constitucional. "A
existência das polícias militares estaduais está expressamente prevista no
artigo 144 da Constituição. Assim, somente uma emenda poderia alterar tal
previsão", diz Valmir Pontes Filho, presidente da Comissão Nacional de
Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil.
A
principal crítica de ativistas e políticos que pedem a desmilitarização é a
cultura e a hierarquia às quais os militares são submetidos tanto em seu
treinamento como no dia a dia.
"Os
militares são preparados para defender o país. É uma metodologia diferente da
necessária para lidar com o povo brasileiro", afirma o deputado Chico
Lopes (PC do B), que elaborou há cerca de um mês a mais recente PEC sobre o
assunto na Câmara.
"Alguns
policiais militares tratam as pessoas como se fossem inimigas. A polícia tem
que ter um papel social, mais humanizada e mais cidadã."
Sistema
de gestão
Um
levantamento da BBC Brasil sobre os assassinatos cometidos pela polícia em 2011
indicou que a Polícia Militar de São Paulo matou seis vezes mais que a Polícia
Civil (Clique leia mais
aqui).
Mas o
coronel Íbis Pereira, chefe da Subdiretoria de Ensino da PM do Rio de Janeiro,
avalia que é preciso diferenciar a ideologia de militarização – comum a ambas
as polícias – do fato de uma delas adotar um sistema de gestão
militarizado.
Segundo
Pereira, a PM usa um estatuto de gestão de recursos e pessoal que é militar,
mas essa característica não é o que determina se sua forma de agir é
militarizada ou não.
A
militarização, na avaliação do coronel, é uma ideologia e consiste na doutrina
de entender o suspeito como um inimigo externo, ou um subversivo. "É olhar
para uma favela e identificar como território que tem que ser conquistado. Ver
a facção criminosa como um inimigo que precisa ser enfrentado a
canhonadas", afirma.
"Mas
o que enfrentamos são criminosos, que têm garantias e direitos".
Pereira
diz à BBC Brasil que essa visão de mundo não é particular à PM, mas à toda
segurança pública e ao próprio sistema de Justiça criminal.
Para o
coronel, essa cultura não vem apenas do regime militar ou da própria formação
da polícia no século 19, mas também de um sistema escravocrata que surgiu desde
o Brasil colonial.
Ele
lembra, ainda, que o pedreiro Amarildo, assim como a maioria dos milhares de
detentos do sistema penitenciário brasileiro, vêm das classes sociais mais
baixas e são negros ou pardos.
"A
polícia é fruto da sociedade que aplaude quando um criminoso aparece sendo
torturado em uma exibição no cinema do filme Tropa de Elite."
Pereira
avalia que a forma de enfrentar o problema é humanizar toda a Justiça criminal,
desde os policiais até advogados, promotores e juízes.
Ao
contrário da PEC 300, que discute a criação de um piso salarial nacional para
os policiais militares, as três principais propostas relacionadas à
desmilitarização da PM ainda não geraram um grande debate no Legislativo,
segundo o deputado Ivan Valente (PSOL).
"Não
foi formada uma massa crítica em torno de uma proposta, mas isso pode mudar com
as denúncias diárias (de violência policial) e com o fato de que o Estado está
enfrentando movimentos sociais com a Polícia Militar em um Estado Democrático
de Direito", afirma o parlamentar.
Em linhas
gerais, as três propostas coincidem em unificar as polícias para acabar com os
problemas da divisão de atribuições e da sobreposição de tarefas.
Analistas
ouvidos pela BBC Brasil afirmam que um dos principais problemas da existência
de duas polícias separadas é que nenhuma faz o ciclo completo de atendimento a
uma ocorrência criminal. Em tese, a PM prende um suspeito que acaba de cometer
um crime e o entrega à Polícia Civil, que inicia um trabalho de investigar e
relatar o delito à Justiça.
Segundo
os especialistas, a mesma polícia – militar ou civil – deveria começar e
terminar todo o ciclo de atendimento à ocorrência.
Além
disso, as duas polícias possuem unidades com as mesmas finalidades (tanto de
investigação como de patrulhamento ostensivo), porém com comandos diferentes.
Isso gera competição e falta de cooperação entre os dois órgãos na maioria dos
Estados, de acordo com os pesquisadores.
Opiniões
divididas
Para
Eduardo Arruda Alvim, presidente da Comissão de Estudos de Processo
Constitucional do Instituto dos Advogados de São Paulo, o processo de aprovação
de uma Emenda Constitucional é muito complexo, e a desmilitarização da polícia
só será possível se houver um grande consenso no Legislativo.
"É
um problema de vontade política e, por enquanto, as opiniões parecem
divididas", afirma Alvim. "Apenas com um grande consenso o quórum
necessário será atingido."
A
Proposta de Emenda Constitucional tem que ser aprovada em dois turnos, por
maioria qualificada (três quintos do total de parlamentares), tanto na Câmara
como no Senado – antes de ser promulgada.
O cabo
Wilson Moraes, presidente da Associação de Cabos e Soldados da PM de São Paulo,
afirmou à BBC Brasil que as associações de PMs são favoráveis à unificação das
polícias – entre outros pontos porque permitiria a participação política dos
militares na sociedade e tornaria possível o recebimento de horas extras
trabalhadas.
As
propostas no Congresso
Ao menos
três principais Propostas de Emenda Constitucional relacionadas à
desmilitarização tramitam no Congresso. A maioria delas propõe a unificação das
polícias civil e militar.
Deputado Chico Lopes (PC do B)
Em fase
de coleta de assinaturas para ser apresentada à Câmara. Não prevê a extinção da
PM, mas cria uma polícia estadual estruturada a partir de uma formação civil, e
uma polícia municipal. Desta forma, a PM não seria instantaneamente eliminada,
mas sim substituída gradualmente pelas polícias civis.
Senador Blairo Maggi (PR)
Levada ao
Senado em 2011, está com o relator na Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania. Entre outros pontos, Maggi propõe que os Estados possam criar uma
polícia unificada. Oficiais da PM e delegados de carreira poderiam ser
transformados em delegados de uma polícia estadual única e de hierarquia não
militar
Celso Russomanno (PRB)
Tramita
na Câmara desde 2009 e atualmente aguarda designação de relator na Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania. O texto propõe a unificação das polícias
e a desmilitarização do Corpo de Bombeiros, que hoje tem funções de Defesa
Civil.
Fonte: BBC Brasil/http://sargentoricardo.blogspot.com.br/
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