Portanto lembre-se, a batata não estoura na mão de quem dá a ordem e sim na mão de quem as cumpri, ou seja, você!
Promotorias de Justiça
RECOMENDAÇÃO Nº 003/2013 8ª PJD-HC
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, com fundamento
nas disposições contidas no art. 129, II, da Constituição Federal; na Lei nº
8.625/93, art. 26, I e IV, e art. 27, I e II, parágrafo único, IV, combinados,
ainda, com o disposto no art. 5º, I, II e IV, e art. 6º, I e IV, da Lei
Complementar Estadual nº 12/94, atualizada pela Lei Complementar nº 21/98; nos
autos do Procedimento Preparatório n.º 12006-1/8, apresente a seguinte
RECOMENDAÇÃO, na forma que se segue:
CONSIDERANDO que o Ministério Público é defensor do Estado
Democrático de Direito e da Constituição Federal Brasileira, a qual o defende a
livre reunião dos indivíduos para manifestar-se em locais públicos, conforme disposto
no artigo 5º, inciso XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em
locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não
frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas
exigido prévio aviso à autoridade competente”;
CONSIDERANDO o disposto no art. 220 da Carta Magna “A
manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer
forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o
disposto nesta Constituição. § 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa
constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer
veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII
e XIV. § 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica
e artística. (…);
CONSIDERANDO que o direito à livre manifestação está,
portanto, consagrado como garantia fundamental na Carta Magna brasileira, de forma
que cabe ao Ministério Público assegurar este direito aos cidadãos;
CONSIDERANDO que ao “abrir mão” de certas liberdades para o
Estado, o cidadão espera uma contrapartida por parte daquele, o que se
concretiza com as atuações públicas do Estado em prol da sociedade, sendo certo
que dentre estas atuações encontra-se a atividade policial, existente para
garantir a segurança e a ordem pública;
CONSIDERANDO ser função institucional do Ministério Público o
exercício de controle externo da atividade policial, nos termos do art. 129,
VII, da Carta Magna;
CONSIDERANDO a Resolução do CNMP n° 18, de 28 de maio de
2007, regulamentando os artigos 9°, da Lei Complementar n° 75/93 e 80, da Lei
n° 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, o controle externo da atividade policial, em especial o seu
artigo 2°, o qual prescreve que: “O controle externo da atividade policial pelo
Ministério Público tem como objetivo manter a regularidade e a adequação dos
procedimentos empregados na execução da atividade policial, bem como a integração
das funções do Ministério Público e das Polícias voltada para a persecução
penal e o interesse público, atentando, especialmente, para: I – o respeito aos
direitos fundamentais assegurados na Constituição Federal e nas leis II – a
preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio
público III – a prevenção da criminalidade IV – a finalidade, a celeridade, o
aperfeiçoamento e a indisponibilidade da persecução penal V – a prevenção ou a
correção de irregularidades, ilegalidades ou de abuso de poder relacionados à
atividade de investigação criminal VI – a superação de falhas na produção
probatória, inclusive técnicas, para fi ns de investigação criminal VII – a probidade
administrativa no exercício da atividade policial”;
CONSIDERANDO que a atuação policial pode ser compreendida
como o Poder de policia, descrito no artigo 78 do CTN “Considera-se poder de
polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando
direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de
fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem,
aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades
econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade
pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
(Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 28.12.1966)”;
CONSIDERANDO que o poder de polícia pode ser definido como o
poder do Estado de invadir e limitar certas garantias e direitos individuais
quando o interesse público prevalecer sobre o interesse particular, sendo tal
uma prerrogativa conferida aos agentes da Administração Pública, devendo sempre
levar em consideração o princípio da legalidade, que norteia os atos da
Administração Pública;
CONSIDERANDO que tal princípio quando aplicado ao particular
permite-o fazer tudo o que a lei não veda, porém, segundo Hely Lopes Meireles,
no âmbito da Administração Pública, esta somente pode realizar o que a lei
expressamente permite, o que denota a importância de controles e filtros de
legalidade para evitarem-se atos abusivos e arbitrários.
CONSIDERANDO que o conceito de legalidade pressupõe, como
limite à discricionariedade, que os motivos determinantes sejam razoáveis e o
objeto do ato proporcional à finalidade declarada ou implícita na regra de
competência.
CONSIDERANDO que as atuações policiais ao agirem em nome da defesa
da segurança e ordem pública, somente podem exercer o poder de polícia quando
pautado pela legalidade, onde sua extrapolação
caracteriza-se abuso de poder.
CONSIDERANDO as recentes
manifestações do Excelentíssimo Secretário de Defesa Social em matérias
jornalísticas, no sentido de que o Estado de Pernambuco passará a proibir o uso
de máscaras em manifestações populares sem o devido respaldo legislativo prévio;
CONSIDERANDO que a vedação ao anonimato, prevista constitucionalmente,
refere-se à manifestação escrita do pensamento, sendo certo
que tal dispositivo constitucional não alcança a cobertura facial e que ninguém
pode ser constrangido a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de Lei
(princípio da legalidade) não há norma que
proíba alguém de se manifestar com o rosto coberto, inexistindo punição positivada para tal conduta;
CONSIDERANDO que os cidadãos não podem ser privados de seus direitos
e liberdades fundamentais sem existir norma legal que tipifique sua conduta, caso contrário caracterizar-se-á abuso de poder por parte da
autoridade;
CONSIDERANDO que o Princípio da legalidade penal, previsto no
inciso XXXIX do art. 5º da Constituição Federal e art. 1º do Código Penal
Brasileiro, prevê “não há crime sem lei anterior
que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”;
CONSIDERANDO que incumbe aos órgãos do Ministério Público,
quando do exercício ou do resultado da atividade de
controle externo comunicar à autoridade responsável pela repartição ou unidade
militar, bem como à respectiva Corregedoria ou autoridade superior, para as
devidas providências, no caso de constatação de irregularidades no trato de questões
relativas à atividade de investigação penal que importem em falta funcional ou
disciplinar, nos termos do artigo 4°, inciso VI, da Resolução do CNMP n° 18, de
28 de maio de 2007;
CONSIDERANDO ser direito do
cidadão Identificar o policial que o aborda
e, caso o cidadão não obtenha espontaneamente a identificação do policial em uma
abordagem, ele tem o direito de perguntar, o
nome do policial, sua matrícula, lotação, posto, graduação ou cargo.
CONSIDERANDO que constitui
transgressão disciplinar qualquer violação dos preceitos da ética, dos deveres
e das obrigações policiais militares, na sua manifestação elementar e simples,
qualquer omissão ou ação contrária aos preceitos estatuídos em leis,
regulamentos, normas ou disposições, desde que não constituam crimes, nos
termos do art. 13, do Decreto n° 6.752, de 1° de outubro de 1980 (Regulamento
Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Pernambuco);
CONSIDERANDO serem transgressões
disciplinares, nos ternos do art. 14, Inciso I, do referido Regulamento, “todas
as ações e omissões contrárias à disciplina policial militar especificadas no
Anexo I do presente Regulamento”;
CONSIDERANDO o Anexo I do presente
Regulamento, no qual consta ser transgressão disciplinar: “2 – utilizar-se do
anonimato” e “71 – apresentar-se desuniformizado, mal uniformizado ou com
uniforme alterado”;
CONSIDERANDO que a não identificação policial também constitui
abuso de autoridade;
CONSIDERANDO o caput do art. 146, do Código Penal, o qual
prescreve: Art. 146 - Constranger alguém, mediante
violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro
meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer
o que ela não manda;
CONSIDERANDO que as citadas matérias jornalísticas apontam
que, na hipótese de os cidadãos não cumprirem a “ordem”
de tirar as máscaras, haverá detenção por prática de crime, o que significa, em
outras palavras, auto de flagrante delito, consubstanciando evidente violação ao
princípio acima transcrito;
CONSIDERANDO os últimos acontecimentos recentes na cidade do
Recife, com repercussão na região metropolitana, envolvendo as Manifestações
Populares nos últimos meses, houve diversos confrontos entre cidadãos e a
atuação policial;
RESOLVE, o Ministério Público de Pernambuco RECOMENDAR à Secretaria de Defesa Social de Pernambuco
que, no exercício do Poder de Polícia conferido aos agentes públicos do Estado
de Pernambuco:
a) abstenha-se de proibir o uso de
máscaras pelos cidadãos que participam das manifestações populares;
b) use os meios necessários e legais para evitar a prática de
crimes, realizando-se revistas pessoais apenas quando
existirem indícios de prática delitiva ou fundada suspeita;
c) quando da ocorrência de crime
ou contravenção penal realize os procedimentos administrativos próprios e
legais para a lavratura do
auto de prisão em flagrante delito;
d) exija, no exercício da atividade policial, a identificação funcional dos policiais militares em suas
fardas, bem como o porte de carteira funcional da Corporação, possibilitando ao
cidadão a verificação de sua matrícula, lotação, posto, graduação ou cargo.
Recife, 28 de agosto de 2013.
Christiana Ramalho Leite Cavalcante
Promotora de Justiça
Isabela Rodrigues Bandeira Carneiro
Leão
Promotora de Justiça
Fabiano de Araújo Saraiva
Promotor de Justiça
Janaina do Sacramento Bezerra
Promotora de Justiça
Marco Aurélio Farias da Silva
Promotor de Justiça
Maxwell Anderson de Lucena Vignoli
Promotor de Justiça
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