Nesta
segunda-feira, 1, foi realizada no vão do Masp, em São Paulo, uma aula
pública sobre a desmilitarização das polícias. Organizada pelo Acampa
Sampa, a atividade contou com a palestra do professor doutor Túlio
Vianna, que leciona a disciplina de Direito Penal na UFMG (Universidade
Federal de Minas Gerais) e defende a desmilitarização das polícias como uma forma de reduzir a violência policial. Cerca de 100 pessoas participaram da aula pública.
“Quando a gente
fala em desmilitarização da polícia, muita gente não entende o que
estamos querendo dizer. Acha que a gente quer que a polícia ande
desarmada. Outros pensam que o problema é a farda. Não tem nada disso. O
problema do militarismo é que a sua lógica é de treinar soldados para a
guerra. A lógica de um militar é ter um inimigo a ser combatido e para
isso faz o que for necessário para aniquilar este inimigo”, ponderou. “A
polícia não pode ser concebida para aniquilar o inimigo. O cidadão que
está andando na rua, que está se manifestando, ou mesmo o cidadão que
eventualmente está cometendo um crime, não é um inimigo. É um cidadão
que tem direitos e esses direitos tem de ser respeitados”, defendeu
Vianna.
A militarização não é boa para o policial e é péssima para o cidadão
O professor de
Direito Penal afirmou que a violência começa no treinamento do policial,
o que depois é refletido na sua atuação ostensiva nas ruas dos grandes
centros urbanos brasileiros. O professor de Direito Penal da UFMG Túlio
Vianna, afirmou que este é o momento ideal para colocar em pauta a
desmilitarização das polícias; atividade foi realizada em SP
“O treinamento
da PM é absolutamente violento. Ele é feito para ser violento. O sujeito
passa em um concurso e é submetido a rituais próprios do militarismo
que retiram a sua individualidade, muitas vezes por meio de humilhação. O
que acontece, ele aprende desde cedo que tem um valor a ser respeitado,
a hierarquia, a obediência. Quando a sociedade opta por uma polícia
militar, o que essa sociedade quer é uma polícia que cumpra ordens sem
refletir. É claro que quando se dá um treinamento onde o próprio
policial é violentado, como vou exigir que esse indivíduo não violente
os direitos de um suspeito?”, questionou.
“A lógica dele é
muito racional. Se existe uma hierarquia, você tem um coronel, um
capitão, um tenente e chega lá no soldado. E quem está abaixo do
soldado? Os únicos que estão abaixo do soldado somos nós, os civis. E
abaixo dos civis somente mesmo os ‘bandidos’, ‘marginais, ‘vagabundos’ e
‘subversivos’, ‘vândalos’ e ‘manifestantes’. Ou seja, todo mundo, que
na visão maniqueísta dele, vê como inimigo”, explicou Vianna. “O
policial aprende que o valor máximo não é o respeito aos direitos, à
lei, e sim a hierarquia, a obediência. ‘Manda quem pode, obedece quem
tem juízo’, é isso que ele aprende sempre”, completou.
Na foto, o professor de direito penal Túlio Vianna ministra aula pública sobre a desmilitarização das polícias no vão do Masp, em São Paulo. Foto: Felipe Rousselet |
Vianna falou de
como outros países formatam a suas estruturas policiais e declarou que o
modelo brasileiro de polícia ostensiva e militarizada é único no mundo.
“Na forma que nós temos hoje, com uma polícia separada entre uma
polícia militar, no policiamento ostensivo, e uma polícia civil, que é
de investigação, só no Brasil. Nos Estados Unidos e Inglaterra as
polícias são 100% civis. Em alguns países da Europa existem polícias
militares, mas não na forma que é concebida no Brasil. Por exemplo, na
França, Portugal e Itália, a polícia militar é reservada para áreas
rurais, áreas de fronteira afastadas dos grandes centros urbanas. E elas
têm a função principal de proteger fronteiras, de proteger estas áreas
de ameaças externas”, explicou.
Outra crítica de
Vianna à militarização da PM é o código penal próprio aplicado para
policiais que cometem delitos. “É muito cômodo você ter uma justiça que
te julga pelo seus próprios pares. Quando a gente pensa em acabar com o
militarismo não é acabar com o uniforme. É acabar com o treinamento
militar, com o código penal militar, é acabar com a estrutura e a lógica
militar. Nós temos que pensar em uma polícia cidadã. E para ser uma
polícia cidadã, temos que pensar, em primeiro lugar, em respeitar o
direito do policial ser cidadão”, defendeu o professor de direito penal.
Vianna também
afirmou que o argumento de que o militarismo impede a corrupção por
parte da polícia é errôneo. “O que é garantia contra a corrupção é uma
corregedoria forte. Principalmente uma corregedoria com controle
externo. Corregedoria com controle interno não garante nada”, defendeu.
Segundo o professor, a militarização da polícia não traz nenhum
benefício. “Ela não é boa para o policial militar e é péssima para o
cidadão. Ela é péssima porque não é garantia de absolutamente nada. Não
garante um polícia melhor e menos corrupta. Só é garantia de uma polícia
violenta porque o treinamento é violento”.
Para Vianna, a
repressão brutal contra as manifestações em todo o Brasil criou um
momento propício para discutir a desmilitarização da PM. Segundo o
professor, a violência que a polícia sempre impôs aos pobres afetou
também a classe média. “Agora é o grande momento de colocar em pauta a
desmilitarização. A PM sempre foi violenta, foi violenta contra os
pobres e ninguém nunca se preocupou. Se você tem uma nota falando que 20
morreram na favela, o ‘cidadão de bem’ que está em casa pensa ’50
traficantes a menos, a PM está fazendo seu trabalho’. Agora se aparece
uma jornalista de um grande jornal, com o olho todo detonado, uma
violência extremamente grave e que evidentemente não está legitimada,
isso choca muito mais que 20 morrendo na favela. O cara que está em casa
pensa ‘podia ser eu, minha filha, meu irmão’. E ai é a hora de colocar
em pauta a desmilitarização da polícia”.
Por fim, o
professor da UFMG afirmou que o primeiro passo em direção da
desmilitarização da PM é a pressão da sociedade para que o Congresso
aprove a PEC 102, que autoriza os Estados a desmilitarizarem a PM e
unificarem suas polícias. “No caso da Polícia Militar, como ela é
prevista na Constituição, é necessária uma proposta de emenda
constitucional conhecida como PEC para que a polícia seja unificada e
civilizada. Já existe uma proposta de emenda constitucional, a PEC 102,
que não faz especificamente a unificação e a desmilitarização, mas
autoriza que cada estado federado possa fazê-lo caso julgue necessário”,
explicou.
Após a palestra,
os participantes da atividade se reuniram em pequenos grupos para
discutir a desmilitarização e propor ideias para fortalecer esta pauta.
Entre as sugestões do público, foi unânime a ideia de que atividades
como a ocorrida no vão do Masp devem acontecer também nas periferias,
onde a polícia mostra sua face mais violenta.Também surgiram iniciativas
que visam dar visibilidade à pauta da desmilitarização, como grupos em
redes sociais e sites que aglutinem denúncias de abusos cometidos pela
PM e conteúdo favorável à desmilitarização das policias.
Felipe Rousselet, da Revista Fórum
Foto: Paulo Iannone
Fonte: facebook da RD/Blog Rede Democrática PM/BM
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