*Geraldo Donizete Luciano
Está em tramitação na Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais uma Proposta de Emenda Constitucional que alterará, caso aprovada, a “cara” dos policiais militares de Minas. Em síntese, a mencionada norma visa exigir, como requisito para ingresso no Curso de Formação de Oficiais da PMMG, o curso de Direito, e para ingresso no curso de formação de soldados, graduação superior em áreas do conhecimento a serem posteriormente definidas.
Tal medida foi muito bem recebida no meio jurídico e no meio acadêmico, e também pelos
cidadãos em geral, que esperam sempre, uma polícia altamente qualificada e preparada, e o único caminho para isso é a via do conhecimento.
Algumas pessoas se sentiram incomodadas com a possibilidade real da implementação de
tal medida, e passaram a espalhar opiniões por intermédio de “blogs” e outros meios de
comunicação, afirmando que os integrantes da Polícia Militar não necessitam de conhecimento jurídico para exercerem a sua função constitucional, sendo que tal requisito dever ser “privilégio” de outras instituições “mais importantes” e “mais preparadas”. Certamente essas pessoas, que afirmam que os policiais militares não necessitam do conhecimento jurídico para exercerem suas atividades, não conhecem o trabalho do verdadeiro policial que atua nas ruas diuturnamente.
Além da certeza de que a atividade jurídica é essencial para a atividade de qualquer policial
que atua na preservação e restauração da ordem pública afirmo mais, afirmo que esse policial exerce a jurisdição, no conceito prático do termo, ou seja, diz o direito, diz quem está com a razão, pacifica os conflitos sociais surgidos naturalmente no convívio entre as pessoas. Os exemplos são inúmeros, mas vou relacionar apenas alguns:
- Quando um policial militar depara com um infrator armado, na iminência de matar uma pessoa inocente, e numa fração de centésimos de segundos resolve atirar nesse infrator, ceifando-lhe a vida, não necessitaria, esse policial militar, de conhecimento jurídico para entender conceitos como legitima defesa de terceiro, estrito cumprimento do dever legal, direitos humanos, uso progressivo da força, etc? Quando puxar o gatilho, esse policial não estaria proferindo uma sentença, uma sentença de morte?
- Quando um policial militar é acionado para atender uma ocorrência de perturbação do sossego, onde um vizinho resolve ligar o seu aparelho de som em volume mais alto, não deve saber esse policial que esse ato é típico, antijurídico e culpável e, em princípio, punível, portanto crime (contravenção penal) tipificado na lei de contravenções penais e cabe prisão do autor de tal ato?
Não deve o policial saber que se trata de um crime (contravenção) de menor potencial ofensivo, passível de feitura de termo circunstanciado de ocorrência? Na maioria das vezes o policial militar, sabendo de todos esses detalhes jurídicos, por que deve saber, porque é inerente à sua profissão, adverte esse cidadão, recomendando-lhe desligar ou abaixar o volume do som, proferindo ali uma sentença sumaríssima, oral, indo à presença das partes, com execução imediata. Não pacificou ele o litígio? Não exerceu jurisdição?
- Quando um policial militar atende uma ocorrência de trânsito, onde ocorreu a colisão de dois veículos, sem vítimas, não deve saber o policial que se os danos foram culposos, (praticados sem intenção, por negligência, imprudência ou imperícia) que não há crime, por que o crime de dano, previsto no artigo 163 do código penal, só é punível na forma dolosa, subsistindo, portanto, apenas o ilícito civil previsto no artigo 186 do código civil, cabendo ao policial apenas o registro do fato, sem prisão dos envolvidos? Na prática diária o policial registra o Boletim de Ocorrência, orientando as partes, e, na maioria das vezes, consegue um acordo, constando tal acordo no texto do boletim, podendo tal acordo ser executado judicialmente, constituindo-se o policial militar verdadeiro juiz conciliador.
Relacionei apenas alguns fatos, dentre os milhares realizados pelos policiais militares, para
ressaltar a importância do conhecimento jurídico na atividade de segurança pública, por todos seus atores. O uso de linguagem e termos jurídicos é proposital, para demonstrar que os leigos não têm domínio completo dessa ciência – o policial tem ou deve possuir tal domínio para exercer sua atividade com profissionalismo e competência.
Outro aspecto a ressaltar é o fato de que a escravidão moderna não é feita com grilhões e
sim com idéias. Assim as idéias contrárias a essa medida representam grilhões intelectuais que não se sustentam em uma sociedade democrática, que quer uma polícia cada vez mais instruída e preparada. Talvez as pessoas contrárias a evolução intelectual dos policiais militares ainda pensem que somos Capitães do Mato, aqueles negros retirados da senzala, para espancar e vigiar os próprios negros, mas que freqüentavam apenas a cozinha, sem acesso a sala a Casa Grande.
Como disse alhures, o projeto foi encaminhado à Assembléia Legislativa e obteve a promessa de nossos lideres políticos de que será votada e aprovada até o dia 15 de julho do
corrente ano.
Essa medida faz justiça a uma Instituição disciplinada, coesa e ética, patrimônio do povo mineiro há 235 anos e é esperada pela sociedade mineira, cônscia da importância desse avanço e pelos mais 300 mil cidadãos ligados diretamente a Polícia Militar.
Precisamos sair da senzala e acessar à Casa Grande.
*Geraldo Donizete Luciano, é Coronel da Polícia Militar e Professor de Direito Constitucional das Faculdades INESC
Blog Sgt Barbosa
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