Soldado da PMPE diz ao UOL: Passei por mulher para entrar na PM
Passei por mulher para entrar na PM'; veja relato de policial transexual
Ricardo Marchesan
Do UOL, em São Paulo
Do UOL, em São Paulo
- Leo Caldas/UOL
O
soldado Marcelo Viana dos Santos, 28, está na Polícia Militar de
Pernambuco desde 2010 e atua em Recife. Ele nasceu mulher e descobriu
que era transexual aos 21 anos, quando trabalhava como professor de
matemática em uma escola municipal.
Desde
então, passou a vestir roupas masculinas, mas não tinha dinheiro para
fazer tratamento. Isso só foi possível quando já estava na PM. Assim
como outros transexuais, teve medo de ser rejeitado na profissão e optou
pela identidade feminina no início. Confira seu relato.
A descoberta da transexualidade
Sempre
achei que tinha alguma coisa errada comigo, mas eu não sabia exatamente
o que era. Vivia muito deprimido e tinha várias crises existenciais.
Pensei que era homossexual e me assumi. Só que, mesmo no meio das
lésbicas, eu não me sentia bem.
Aos
21 anos, entendi porque eu tinha dificuldades tão grandes. Conheci o
Leonardo Tenório, que é um transexual de Pernambuco. Quando eu conversei
com ele, senti que era realmente naquilo que me encaixava. Mas as
cirurgias eram muito caras e eu não teria o apoio dos meus pais,
católicos fervorosos.
Eu sabia que tinha de trilhar sozinho. Sabia que tinha de conseguir um emprego um pouco melhor.
Tive
muita sorte. Mesmo sem tomar hormônios, já tinha muitas características
masculinas, como uma voz um pouco mais grossa. Fui fazendo minha
transição com o que eu tinha em mãos, fui vestindo roupas masculinas.
Mesmo sem tomar hormônios, ninguém me confundia mais com uma mulher.
A entrada na PM
Desde
criança eu queria entrar nas Forças Armadas ou na polícia. Tinha um tio
de que eu gostava muito, e ele era policial rodoviário federal. Sempre
ia na casa dele e o via fardado. Ele colocava o quepe na minha cabeça e
eu saía correndo todo feliz. Queria muito ser igual a ele desde criança.
Quando
surgiu o concurso da PM, optei pela identidade feminina para não sofrer
nenhum tipo de problema nas provas físicas e até no curso de formação.
Naquela
época tinha muito medo de ser excluído da Polícia. Era meu único meio
de sustento. Mas meus superiores me orientaram que esse tipo de situação
não seria motivo para minha exclusão e deram apoio. Assim que terminou o
curso, comecei novamente a montar minha transição.
Na
realidade, não era surpresa para ninguém que eu sou transexual. Bastava
olhar para mim. Não é algo que dá para esconder. Me passei por mulher,
mas era como se eu fosse uma mulher muito estranha. Então, quando eu
voltei a vestir roupas masculinas e comecei a tomar hormônios, não foi
choque para ninguém.
Meus
colegas têm de me respeitar por eu ser PM e por não estar fazendo nada
absurdo, nada contrário às normas. E realmente me respeitam. Mas o
preconceito é encontrado em qualquer momento, não só no meu trabalho,
mas em vários outros âmbitos da minha vida. Ele está enraizado na
sociedade, e a PM não é diferente.
Cirurgia
Faz
dois anos e meio que fiz a cirurgia. Na época, o centro de referência
para pessoas transexuais do Pernambuco estava fechado. Consegui um
médico no centro de referência de João Pessoa para me operar. Como não
moro lá, tive de pagar o tratamento.
Juntei
dinheiro por algum tempo, mas mesmo assim não foi suficiente. Fiz um
empréstimo que pago até hoje e termina em novembro. Mas vou precisar
fazer outras cirurgias. Essa foi a primeira. Vou ter de pegar outro
empréstimo para continuar a transição. Há um trans que já gastou R$ 80
mil com as dele. Espero não ter de gastar isso tudo.
Relação com os pais
Muito
tempo se passou desde que me descobri transexual. Sou um homem feito.
Já tive bastante tempo. Meus pais perceberam que, se eles continuassem
com o preconceito, tudo que conseguiriam seria me afastar. Eles não
aceitam completamente, mas me respeitam.
Minha
mãe não consegue me chamar de Marcelo. Ela usa palavras neutras para
disfarçar. Eu não sei como ela consegue fazer isso o tempo todo. Meu pai
me chama no masculino quando minha mãe não está vendo.
Casamento
Conheci
minha mulher em maio do ano passado e casei em setembro. Foi bastante
rápido. Ela tem uma mente muito aberta e não tive problema algum. Foi
amor à primeira vista.
Optei
por uma união estável, porque estou trocando meu nome na Justiça. Só
quero fazer uma certidão de casamento quando já estiver com o nome
trocado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário