O Senado está discutindo o modelo de polícia ideal para o Brasil. Na
Câmara Alta, os debates são intensos. Críticas às polícias sobejam. As
polícias nacionais são apontadas como ineficientes, violentas e
corruptas. Uma mudança radical do atual modelo é ferozmente defendida.
Toda a questão da segurança pública no Brasil parece que será resolvida
num passe de mágica acaso surja um novo formato que suplante aquele
insculpido no artigo 144 da Constituição. Todavia, os fatores históricos
e culturais que levaram o Brasil a ter o atual modelo são olvidados.
Tampouco é discutido qual o modelo de Justiça Criminal a sociedade
almeja. De fato, o histórico das polícias brasileiras não lhes favorece.
Lembremo-nos que estas instituições já nasceram para proteger os
poderosos e coagir os oprimidos. No Brasil-colônia, a polícia serviu ao
rei e aos seus apaniguados conservando-lhes o poder e protegendo-lhes a
fortuna.
No Império, Pedro I chegou a acrescentar ao papel das polícias a
vigilância de seus desafetos e opositores. No período republicano, as
polícias serviram aos poderosos. Os primeiros movimentos operários da
República Velha sentiram a força das polícias de governo. Getúlio Vargas
chegou a criar uma polícia de “ordem política e social” para sufocar
seus antagonistas. Na ditadura de 1964, novamente a polícia foi chamada
para atender às elites. Portanto, a gênese das polícias brasileiras
depõem contra elas. Surgiram para manter o rico cada vez mais rico e o
pobre longe do rico. Proteger a sociedade nunca foi seu principal papel.
Atualmente, há uma forte cobrança para que as polícias sejam mais
eficientes, menos violentas e corruptas e que ajam sempre em proteção ao
cidadão. Mas será que é isso mesmo o que povo quer? Ninguém tolera
traficante de drogas, mas a polícia entrar em uma universidade e autuar
um estudante fumando maconha. Ninguém está a favor do contrabandista Law
Kin Chong, mas contrabandear produtos importados dos EUA para vender em
nossa cidade parece ser algo legítimo. O grande corrupto merece cadeia,
mas corromper o agente de trânsito é algo comezinho. Empresário
sonegador é esperto e não criminoso.
Receber o seguro desemprego, o bolsa família, a aposentadoria sem ter
direito é bobagem. Comprar voto é coisa de político “raposa velha” e não
de um bandido que debocha da democracia. Vender o voto é ato de
malandragem e não um delito. Logo, questiona-se: que polícia a sociedade
brasileira quer? Que modelo de Justiça Criminal queremos? Afinal, por
mais que as polícias melhorem, seus esforços acabam sempre chegando aos
tribunais. Lá, no intrincado modelo judicial brasileiro, novamente há
que se discutir: quem é criminoso e quem é “vítima da sociedade”.
Bandido é todo aquele que comete crime definido em lei, ou somente os
perseguidos de sempre? Uma polícia que reprime somente crimes a sua
escolha é uma polícia de governo e não de Estado. A polícia tem que agir
contra todos que cometem crimes indistintamente senão vira arma contra a
democracia. Uma Justiça Criminal seletiva, que pune o pobre e rende-se
aos argumentos e chicanas dos poderosos, nega sua essência e
transforma-se em instrumento de tirania. Nos pitorescos casos da
política, atribuem a Vargas uma frase que parece denotar o espírito das
elites. Indagado por um assessor sobre uma medida que contrariaria a
Lei, Getúlio respondeu: “Lei! Ora a Lei!”. Vale dizer: a lei punitiva
serve para os outros não para mim. Que a sociedade então responda: que
polícia e que Justiça Criminal quer?
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