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sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Roberto Numeriano critica cobertura dos jornais locais no caso do promotor assassinado em Itaiba

opinião

A morte do jornalismo e a morte do promotor

Por Roberto Numeriano

A cobertura noticiosa em torno do assassinato do promotor Thiago Soares é um dos mais fortes sinais de que o jornalismo está sendo reduzido ao registro do factual. Passados quatro dias do evento, os jornais repisam e reprisam as mesmas fontes, com ligeiras variações de hipóteses a respeito das causas. Em geral, os repórteres parecem tocados por uma onipresente e onisciente “voz do dono”, assumindo uma versão oficialista, sempre a toque de caixa. Parece-nos que, no afã de buscar a solução imediata do caso, subscrevem a tese (irrevogável) esposada pelo procurador-geral do MPPE, que desde o primeiro dia das investigações já tinha os culpados, faltando quase formular a pena ideal.

É compreensível a reação do MPPE, mas não é aceitável presumir nada, jornalisticamente falando, quanto ao caso. Também é compreensível a pressão exercida pelo sr. Eduardo Campos, pois esse crime expõe nacionalmente uma das fraquezas do programa “Pacto pela Vida”, que é a ocorrência anual, aos milhares, de assassinatos no estado de Pernambuco. Mata-se por aqui a três por quatro, mas a execução de um promotor público é, queiram ou não, um evento antes político do que criminal. (A morte dos mortais comuns é só mesmo mais uma morte nas estatísticas). No meio desses dois interesses é que temos a morte do jornalismo; ou, pelo menos, mais um óbito dentre tantos que eu lamento, como professor e cidadão.

O maior exemplo dessa pobre cobertura jornalística foi dado pelo MST, na pessoa do seu principal líder no estado, sr. Jaime Amorim, que precisou publicar um artigo no blog de Jamildo para se fazer ouvir. Claro, os jornais já faziam referência ao fato de haver acampados do MST no entorno da Fazenda Nova, em Itaíba. Mas nenhuma das reportagens foi ouvir o pessoal do Movimento, provavelmente a parte que poderia passar os dados mais relevantes sobre o litígio, dado que conhece os interesses de todas as partes. Contudo, ninguém, como manda uma das mais comezinhas regras de apuração jornalística, foi procurar os acampados.

Um outro aspecto desse jornalismo oficialista, manietado ou amordaçado nos desvãos dos muitos interesses políticos e empresariais, é o medo ou incapacidade de narrar um evento com isenção. Esse medo é tanto que, mesmo o emprego do verbo na condicional termina por evocar no eleitor uma sensação oposta ao que se quer resguardar. Vejam como isso ocorre, conforme li numa matéria publicada no dia 17: “A compra da terra foi questionada no Tribunal Regional do Trabalho pelo então morador da fazenda, José Maria e, segundo investigação da polícia, o promotor teria atuado nos corredores do judiciário para conversar sobre o processo. A dúvida é se essa atuação era enquanto promotor ou como noivo, de ordem pessoal”. Ora, se realmente o promotor andou nos corredores do Fórum para “conversar sobre o processo”, não haveria como agir, nesse caso, “como noivo”. Jamais seria possível se eximir da condição de promotor, sendo, ainda que indiretamente, interessado na causa. E o que dizer do verbo ter na condicional, por assim dizer, “emprestado” à investigação policial? O que faz com que um repórter nem à polícia atribua a certeza de um dado obtido numa investigação? Se a polícia não pode afirmar, cabe ao repórter levantar.

Esse jornalismo do factual fica a correr atrás do próprio rabo, escudando-se nas armadilhas das suposições e das dízimas de verbos na condicional, conforme podemos ver na mesma reportagem: “Toda a suposta negociação do promotor para ajudar a noiva na desocupação da fazenda, além do processo por crime ambiental que o promotor estaria investigando, e uma tentativa de assassinato que teria sido praticada no passado pelo pai de Mysheva contra José Maria, teriam provocado a fúria do fazendeiro, na avaliação da polícia”. Isso, no fim das contas, parece fofoca de comadres no batente de uma porta.

Ninguém foi ao fórum; ninguém foi ao MST; ninguém foi ao Incra; ninguém buscou, no MPPE, levantar quais os processos nos quais a vítima trabalhava (se não houver segredo de Justiça sobre os mesmos, são de consulta pública); ninguém procurou levantar o passo a passo do suposto autor, no dia do crime; ninguém procurou saber, em detalhes, a vida afetiva do casal, que há pouco tempo se conheceu e já estava com casamento marcado. A advogada Mysheva, uma mulher bonita, pode ter saído de uma relação recente e, por mais que para ela o antigo namorado fosse passado, pode ser que o mesmo não aceitasse a separação etc etc etc. Ou seja, falta/faltou ao caso, desde o início, a mais básica investigação jornalística. A “voz do dono” tem imperado nesse desastre de cobertura. À reboque da polícia e do MPPE, um batalhão de repórteres esconde-se atrás de “supostos”, “teriam”, “estariam”, “poderiam”, e assim por diante.

Me perdoem, caros leitores do blog, essa abordagem e crítica a um jornalismo que demonstra nossa regressão na apuração e redação de notícias. Sou professor de jornalismo. Dói muito ver esse jornalismo que gosta de alardear prêmios em concursos nacionais (é fácil fazer jornalismo com o tempo nas mãos), mas não consegue apurar com competência, a quente, um caso dessa importância e repercussão nacionais.

Roberto Numeriano é jornalista, professor, cientista político e militante do PSOL-PE.

Postado por Jamildo Melo/http://sargentoricardo.blogspot.com.br/

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