análise
Foto: Guga Matos/JC Imagem
Da Agência Brasil
Os efeitos negativos de um transporte público caro e de má qualidade
não estão restritos à questão da mobilidade urbana. Prejudicam também
outras áreas vitais para a vida do cidadão, como saúde, educação,
finanças e cultura. Especialistas e integrantes do Movimento Passe Livre
(MPL) consultados pela Agência Brasil avaliam que a mobilidade urbana
está diretamente relacionada à qualidade de vida, além de ser um dos
maiores causadores de estresse da vida das pessoas.
“É um trauma para todo mundo. Principalmente para quem fica em pé, duas
horas, crucificado, com alguém tentando pegar bolsa, apalpar. Não é à
toa que as pessoas estão preferindo usar motocicletas, mesmo que isso
represente risco a própria integridade física por causa dos acidentes, e
não é à toa que essas manifestações conseguiram tantas adesões”, disse à
Agência Brasil o doutor em políticas de transporte pela Universidade
Dortmund, na Alemanha e professor do Departamento de Engenharia Civil e
Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), Joaquim Aragão.
As manifestações citadas pelo especialista foram iniciadas pelo MPL em
São Paulo. O movimento tem, como um de seus interlocutores, o professor
de história Lucas Monteiro. “Defendemos Tarifa Zero porque, além de ser a
única forma de as pessoas terem acesso à cidade, o transporte público
beneficia áreas vitais como saúde e educação. Por isso já imaginávamos
que nossa luta se espalharia pelo país, mas não que iria alcançar a
dimensão que alcançou”, disse à Agência Brasil.
De acordo com o representante do MPL, o incentivo ao uso de transportes
individuais causa também problemas como aumento da poluição e do número
de atropelamentos, o que resulta em mais gastos e problemas para a
saúde pública. Dados do Ministério da Saúde mostram que, em 2010, 42.844
pessoas morreram nas estradas e ruas do país. Desse total, 10.820
acidentes envolveram motos. No mesmo ano, o gasto total do Sistema Único
de Saúde (SUS) com acidentes de trânsito foi R$ 187 milhões. Só com
internação de motociclistas foram gastos R$ 85,5 milhões.
Além disso, acrescenta Monteiro, diversos tratamentos de saúde deixam
de ser feitos porque os pacientes não têm condições de pagar pelo
deslocamento. E o problema relacionado à falta de condições para custear
os transportes também afeta o direto e a qualidade da educação.
“Frequentei muitas às escolas públicas. É comum alunos faltarem aulas
por não terem dinheiro para ir à escola. Além do mais, direito à
educação não está restrito a apenas ir à escola ou ao banco escolar. Os
estudantes precisam ter acesso à cultura, a visitar museus. E, sem
circular, não há como ter acesso a isso. A grande maioria não vai ao
centro da cidade, museus, centros culturais para complementar sua
formação”, disse Monteiro.
Segundo Aragão, dificuldades para mobilidade urbana afetam diretamente o
rendimento escolar de jovens e crianças, que ficam cansados e com o
sono sacrificado. “É um fator a mais a prejudicar o rendimento, além da
qualidade de instalações do ensino público. Da mesma forma, afeta também
a evasão escolar, a formação de profissionais e a produtividade do
país”, disse o especialista.
“A mobilidade bloqueia inclusive a vida social do cidadão de baixa
renda, que fica sem acesso a entretenimento, cultura e lazer. Esses são
privilégios das pessoas motorizadas. Uma família de quatro pessoas que
queira se deslocarem da periferia até um parque no centro da cidade
gastará R$24, caso a passagem unitária custe R$3. Para quem recebe
salário mínimo, isso é impossível”, disse.
Arquiteto, urbanista e especialista em transporte público, Jaime Lerner
diz que por trás das manifestações iniciadas pelo MPL está o descrédito
nas políticas públicas e a falta de respostas à sociedade, sobre os
diversos serviços públicos prestados a ela. “E tudo fica mais fácil em
todas as áreas quando se tem um bom transporte público”, disse o
ex-prefeito de Curitiba (PR).
Muitas das mobilidades foram anunciadas sem sequer estudar a própria
cidade, avalia Lerner. Segundo ele, é importante entender a cidade como
um sistema de estrutura de vida, trabalho, movimento e mobilidade
juntos. No fundo, acrescenta, faltam decisões políticas, e, em geral,
essas decisões são voltadas para soluções mais caras.
“O Brasil é rápido em fazer coisa errada e demorado em fazer a coisa
certa”, disse. “Sustentabilidade é equação entre o que você poupa e o
que você desperdiça. Portanto, se tiver de se deslocar por distâncias
cada vez maiores, é óbvio que a coisa não vai funcionar”.
Postado por Gabriela López / http://sargentoricardo.blogspot.com.br/
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