José Vicente da Silva Filho, consultor de segurança e coronel da reserva da PM de São Paulo
José Vicente da Silva Filho foi policial militar em São Paulo durante 30 anos, respondeu pelo planejamento da Secretaria de Segurança paulista de 1995 a 1997, ocupou o cargo de secretário Nacional de Segurança Pública em 2002 e é hoje um dos mais conceituados pesquisadores da área. Com a experiência acumulada ao longo de quase 50 anos, ele fala a ZH sobre os protestos:
Zero Hora – Os protestos que têm ocorrido no Estado, com interrupção de rodovias e queima de pneus, geram algum risco institucional para a Brigada Militar?
José Vicente da Silva – Certamente geram risco. A nossa experiência mostra que as cicatrizes de um evento desse tipo, se ele for mal cuidado, podem perdurar por 10 anos. Por isso, é preciso agir simultaneamente em duas frentes. Primeiro, a indisciplina não pode ser tolerada. Manifestação de policial militar não pode desandar para indisciplina, porque desmoraliza aquilo que rege a estrutura militar. A intolerância em relação a essas manifestações precisa ser externada com clareza. É necessário tomar medidas radicais, de demissão. A outra coisa a fazer é negociar apenas com entidades formais, nunca com lideranças espúrias.
ZH – Por que a indisciplina representada por esses protestos é grave?
Silva – A estrutura policial é a única de que o Estado dispõe para momentos de crise. A organização que você tem na mão jamais pode dizer não.
ZH – O senhor afirmou que as consequências de um conflito como o atual podem perdurar por uma década. Que consequências seriam essas?
Silva – São várias, especialmente a quebra de confiança e de liderança dentro da organização. O problema sério que costuma se verificar nessas quebras de hierarquia é que elas revelam a existência de uma falha na liderança natural dos oficiais. Em 2001, fui contratado para analisar a situação da PM da Bahia, que havia passado por greves, e percebi que havia um distanciamento gravíssimo dos oficiais em relação à tropa. A baixa hierarquia não estava convivendo com os oficiais e acabava seguindo lideranças espúrias, que pregavam a indisciplina. Verifiquei que isso ocorre em todo o país.
ZH – Esse distanciamento de que o senhor fala é no convívio diário ou tem a ver com as diferenças salariais entre oficiais e praças?
Silva – São as duas coisas. Na PM de São Paulo, à qual estou vinculado desde 1963, não se imagina um protesto como esses do Rio Grande do Sul. A PM paulista nunca aceitou um aumento salarial diferenciado para oficiais em relação aos praças, mesmo quando o governo ofereceu.
ZH – O problema do convívio diário se revela como?
Silva – O que mais me preocupou na Bahia foi o tratamento desrespeitoso dos oficiais com os praças. Havia punições exageradas, ofensas, xingamentos e ações disciplinares não previstas, como escalar o policial para serviço extra ou retirar a sua folga, que é um direito constitucional.
ZH – Isso vale só para a Bahia? As manifestações de PMs no Rio Grande do Sul revelam a existência desses problemas na liderança?
Silva – Quando ocorre uma crise como esta, com certeza tem um forte problema de liderança entre oficiais e praças. Certamente houve falha da liderança. E o principal equívoco de liderança são os atos de desrespeito. Quando uma liderança é reconhecida, manifestações como essas da Brigada Militar não acontecem. Quando há liderança, antes que um grupo decida fechar uma rodovia, antes que o problema aconteça, o oficial já detectou e neutralizou. Napoleão já dizia que você pode ser derrotado, mas não pode ser surpreendido.
ZH – Isso vale mesmo em um cenário no qual a Brigada Militar apresenta dificuldade de identificar os responsáveis pelos atos?
Silva – Se identifica bandido que está escondido, como é que não vai identificar policiais que fazem manifestação? As medidas contra essas manifestações têm de ser tomadas de imediato. Toda crise tem primeiro de ser contida, não pode ser ampliada. Se o protesto acontece uma segunda vez, é porque está havendo falha. Não podia ter passado da segunda manifestação.
ZH – Mas a Brigada Militar alega não ter identificado os manifestantes.
Silva – Essa alegação é inaceitável. Havendo uma manifestação dessas, tem de ir tropa de choque, tem de haver alguém em condições de filmar, tem de tomar medidas rigorosas. Em Londres, recentemente, as autoridades não tiveram o menor receio de prender milhares de pessoas que estavam fazendo manifestações criminosas. Nesse caso de protesto de policiais, há o descumprimento de ordens. É caso de demissão dos quadros da Brigada Militar. Isso deveria ter ocorrido de imediato. A impunidade favorece a indisciplina, que é intolerável em uma estrutura de combate ao crime.
CARLOS ETCHICHURY e ITAMAR MELO
Fonte: BLOG DA SEGURANÇA DE PERNAMBUCO
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