Os poderes instituídos se sustentam através da gestão do medo, e quanto mais temor está vigente numa sociedade, mais ela se torna dócil e em conformidade com a permanência deste poder. O filme “V de Vingança” (com Natalie Portman e Hugo Weaving) ilustra os mecanismos utilizados por um governo na Inglaterra para aprimorar a difusão do medo, numa espécie de ditadura do futuro.
Para a criação e aprofundamento da apatia entre os cidadãos, a mídia se torna ferramenta central, sendo ela controlada e financiada pelo próprio governo e seus partidários. O terrorismo é uma estratégia criada pelos que visam alcançar o título de “salvadores da pátria”, pouco importando a eles se vidas serão perdidas ou não. Aliás, sob esta lógica, é melhor que pessoas morram, pois nada melhor do que o desespero e a instabilidade para se criar a necessidade de um redentor.
Neste ambiente, surge um cidadão ressentido com o sofrimento infligido a seus concidadãos, e a si próprio. Sua vingança se direciona à tentativa de libertar a sociedade da ditadura velada, incentivando uma insurreição contra a manipulação das consciências. O discurso proferido por ele em certa altura da trama é emblemático:
Boa noite, Londres!
Primeiro, desculpem a interrupção!
Eu, como vocês, aprecio os confortos do dia-a-dia, a segurança do familiar, a tranqüilidade da rotina. Gosto disso como todo mundo. [...]
Há aqueles que não querem que falemos. [...] Por quê? O governo pode utilizar violência em vez do diálogo, mas as palavras sempre manterão o seu poder. As palavras oferecem um significado e, para aqueles que ouvem, a enunciação da verdade.
E a verdade é que há algo terrivelmente errado com o país. Crueldade e injustiça, intolerância e opressão. Se antes você tinha liberdade de se opor, pensar e falar o quanto quisesse, agora você tem censores e câmeras obrigando-o a se submeter. Como isso aconteceu? Quem é o culpado?
Há alguns mais responsáveis que outros, e eles vão arcar com as conseqüências, mas, verdade seja dita, se procuram culpados basta vocês se olharem no espelho. Eu sei porque vocês fizeram isso. Sei que tinham medo. Quem não teria? Guerra, terror, doença. Uma série de problemas se juntaram para corromper sua razão e afetar seu bom senso. O medo dominou vocês, e vocês recorreram ao novo chanceler.
Ele prometeu ordem, prometeu paz. Tudo o que ele pediu em troca foi seu consentimento silencioso.
“V”, o codinome do revolucionário, dedicou seus dias à causa de restituir ao povo a liberdade tomada pelo governo. Usa a violência, muitas vezes, para alcançar seus objetivos. Aqui uma pergunta fica em aberto: o revolucionário não pode ser interpretado como um neoditador, mais um ambicioso que tenta manipular as massas em seu favor? Esta é uma cautela a ser observada, e geralmente explorada pelos detentores do poder para desqualificar seus opositores.
O policial pode se ver sem muito esforço em todo este contexto de jogos de poder, gestão do medo e partidarização das instituições públicas ou que prestam serviços de utilidade pública, como a imprensa. Seja como ator de instituições que contribuem para objetivos de poder ou como sujeito a ser manipulado por este mesmo poder – o que acaba sendo a mesma coisa.
Deste modo, é sempre bom, cotidianamente, em nossos atos enquanto policiais, principalmente aqueles que geram ou reduzem poderes, fazer um dos questionamentos que “V” faz no decorrer do filme, que vale a pena ser assistido: você “pensa assim ou é o que querem que pense?”
Fonte:Abordagempolicial/http://sargentoricardo.blogspot.com/
Nenhum comentário:
Postar um comentário