Falso coronel revela como enganou a polícia do Rio e chegou a secretaria
Para Carlos da Cruz Sampaio Júnior, o Exército era um sonho de infância. Quando jovem, ele tentou entrar para a academia militar, mas não passou no teste. “Eu acho que uma série de fatores de natureza pessoal me levaram a não chegar na academia militar. Tentei. Mas acabou que ficou esquecido”, conta o homem que se fez passar por coronel e conseguiu enganar a Polícia Militar, a Polícia Civil e a Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro.
Entrevistado com exclusividade para o “Fantástico”, Carlos Sampaio conta como conseguiu chegar a ocupar o cargo de coordenador da subsecretaria de Planejamento e Integração Operacional da Secretaria de Segurança do Rio sem nunca ter cursado a academia militar por um único dia e nem mesmo ter concluído o bacharelado em direito, sua segunda opção profissional.
Após permanecer no cargo por três meses, o falso coronel foi finalmente descoberto pelo secretário José Mariano Beltrame e acabou sendo preso em outubro de 2010.
Carlos Sampaio ainda trabalhou com esportes de aventura, limpeza predial, até conseguir um emprego na Secretaria de Segurança. Era um trabalho administrativo, como assessor do subsecretario. Mas ele queria mais.
Aficionado pelo tema, estudou livros sobre segurança e manuais de policias de diversos países, inclusive manuais russos, idioma que ele diz ter aprendido na internet. Depois de três anos, elaborou seu próprio projeto para melhorar o patrulhamento nas ruas. “Eu desenvolvi um sistema de controle de indicadores criminais e aplicação operacional destes indicadores”, diz o falso militar. “Apresentei esse projeto e absolutamente ninguém se interessou por ele”, lembra.
“Existe um termo pejorativo que se chama ‘PI’, pé inchado, é aquele cidadão que não é policial civil, nem militar. Constantemente fui chamado de ‘PI’. De certa forma ofende, claro que ofende”, contou. Com a troca de governo, ele deixou a secretaria, mas não a idéia de implantar seu sistema de segurança.
Três anos depois, em 2009, voltou à ativa, agora diretamente na organização do patrulhamento das ruas. Sob a falsa patente de major, Sampaio apresentou seu projeto ao 6º BPM (Tijuca), responsável pelo policiamento em vários bairros da Zona Norte do Rio. Depois de três meses, ele decidiu “se promover” e trocou major por tenente-coronel. “Quando você passa a ser tenente coronel e apresenta o seu trabalho, nossa, todo mundo diz amém e funciona”, brinca.
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A ascensão
A popularidade de Sampaio cresceu tanto que ele foi convidado a trabalhar na Secretaria de Segurança. O militar que nunca existiu apresentava um currículo que incluía curso na academia das Agulhas Negras, comando de um batalhão de fronteira, na Amazônia, e até a guarda presidencial. Tudo mentira.
Na carteira do Exército, Carlos Sampaio tinha uma foto com farda de gala. “Não falsifiquei. Criei. É diferente, porque você falsificar é pegar qualquer documentação e transformar os dados, eu simplesmente editei a carteira toda no Photoshop. Então, eu criei. Não é uma falsificação? isso aí depende do seu ponto de vista”, diz.
Depois que Sampaio foi preso, a polícia analisou o documento. Encontrou dez erros grosseiros, como a data de validade, até 2031. Em um documento do Exército ela seria indeterminada. Quem assina a carteira é um capitão, o que não aconteceria na identidade de um coronel. E até o próprio posto, tenente-coronel está escrito errado, sem hífen. Mesmo com erros tão básicos ninguém na secretaria percebeu a falsificação.
O falso coronel conta que não teve que apresentar nenhum documento ao ser contratado. “Eu já tinha uma série de documentações apresentadas na secretaria de Segurança. Da primeira vez que eu tinha estado lá. Você tem um cadastro lá. Eu já tinha tudo lá, minha carteira, CPF, PIS, tinha tudo lá”, explica.
A nomeação para o cargo de coordenador da subsecretaria de Planejamento e Integração Operacional foi assinada no dia 12 de julho de 2010 pelo secretário de segurança, José Mariano Beltrame. Instalado no centro do comando, Sampaio recebia informações dos batalhões, tinha reuniões com coronéis e fiscalizava operações nas ruas.
Em agosto de 2010, chegou a participar de uma operação para prender traficantes que tinham invadido um hotel em São Conrado, na Zona Sul do Rio. Sampaio acompanhou a negociação para que os bandidos se entregassem e libertassem os reféns. De colete, ele estava dentro da área de isolamento, na porta do hotel.
A queda
Advogado do falso coronel Carlos Sampaio diz que caso é fascinante
Sampaio só lamenta que o seu projeto de policiamento não é mais seguido nos batalhões. E resume como conseguiu passar tanto tempo enganando as pessoas. “Eu acho que as pessoas acreditam na forma como você se coloca e o que você coloca. Se você chegar pra mim e falar que é o presidente da República, souber se colocar como presidente e se portar como tal e tiver representatividade e ter resultado como tal, eu acredito. Eu podia me passar por presidente, você não”, brinca.
RJ: falso coronel também se fingiu de Delegado
Andar lento, uma das mãos no bolso da calça de linho, a outra no cigarro, o falso tenente-coronel Carlos da Cruz Sampaio Junior demonstra que perdeu o posto na Secretaria de Segurança do Rio ao ter sua verdadeira identidade revelada, mas não a pose. Ao quebrar o silêncio pela primeira vez desde a sua prisão, em outubro de 2009, Sampaio deixa às claras que precisou de lábia e de um programa de computador para deixar de ser um administrador do Zoo-Rio, preocupado em evitar o roubo de arara-azul, e se tornar um homem da cúpula da Segurança do estado.
Com o crachá forjado de militar do Exército, ele se infiltrou nas salas de inteligência da Segurança, coordenou operações, implantou sua metodologia e deu cursos de tiro para policiais em batalhões. Até que “uma bala acertou seu pé”. O homem que vivia o conto de fadas particular de ser um super-herói transpôs a portaria do prédio da Secretaria, como se rompesse a barreira da ficção para a realidade, já com o papel de vilão para as autoridades. E, na cadeia, foi convidado a treinar traficantes.
Fui ilegal, mas não fui imoral
Carlos Sampaio, o falso coronel
— Eu tinha um personagem que eu exercia para desenvolver um trabalho, que deveria surtir efeito em prol da sociedade. Aquele era o personagem, mas o Carlos Sampaio é diferente — alega: — Fui ilegal, mas não fui imoral.
Desmascarado, sem a patente que forjou no photoshop (programa de computador para alterar imagens) e garantiu verbalmente ostentar, seguiu diretamente para a Polinter (Grajaú) por portar um revólver calibre 38 — ainda responde processo por falsa identidade. Era um estranho no ninho aquele filho de militar que, em dois períodos, sustentou teorias e estratégias e tinha a visão do mundo do crime pelo lado do bem. Entre as grades, onde permaneceu por 61 dias, ganhou a robustez de heróis em quadrinhos para combater a criptonita dos marginais de facções criminosas.
Carlos da Cruz Sampaio Junior dá aula para policiais militares de progressão em área de risco / Foto: Reprodução de internet
Encorajado a escrever um livro, intitulado “As gemadas de um coronel sem estrelas” — já finalizado —, Sampaio recusou oferta para treinar traficantes e recebeu visitas de policiais da ativa, que, ao vê-lo cabisbaixo, repetiam: “Coronel, levanta a cabeça. O que o senhor fez não se apaga!”.
Fiquei em cima do muro quando fui convidado para treinar traficantes
Carlos Sampaio
— Todos me respeitaram (cadeia). Tive momentos difíceis. Fiquei em cima do muro quando fui convidado para treinar traficantes. Era uma quantia significativa. Eram mais de cinco zeros. Isso foge à minha natureza. Sempre combati o crime.
Do zoológico para a Secretaria de Segurança: ‘Nasce’ o coronel
O amor à gemada (patente) estava no DNA. A dedicação, na veia. Era natural que um filho de militar posasse para fotos com farda e armas de brinquedo. Estudante do Colégio Militar de Brasília, não conseguiu avançar pela Academia Militar das Agulhas Negras (Aman). Foi reprovado. Inegável a frustração. Ingressou no curso de Direito da Faculdade Gama Filho. Faltando quatro períodos, largou. Por meio de um convite, assumiu função no Instituto Estadual de Meio Ambiente. Mais a frente, num cargo na Fundação Zoo-Rio, poria as garras de fora. Diante de registros de roubos de animais no Zoológico, não saía da 17ª DP (São Cristóvão). Uma arara-azul, diz ele, tem o custo de um fuzil.— Brincavam comigo, dizendo que era melhor deixar um formulário pronto com o meu nome. Até que convidei os delegados para conhecerem o zoológico — conta.
Na visita, os delegados se impressionaram com o catálogo feito por Sampaio para conferir a quantidade de animais. Era um obcecado por segurança. Na gíria, era um chato. Até que, ao sair do Rio Zoo, acabou contratado por uma dessas empresas. Foi um passo animal para entrar na Secretaria de Segurança. Em 2003, com Luiz Torres, um dos delegados da 17 DP à época, Sampaio Junior pôs seus pés na Seseg com cargo comissionado, feito por indicação. Mal tinha cadeira e os fios pendurados o incomodavam, além dos serviços burocráticos. Via nos manuais empoeirados de polícia o brilho do sonho. Passou noites em claro. Montou estratégias. Mas era um ”PI”, conhecido como pé-inchado pela ausência de estrelas, rótulo que o incomodava. Seus projetos, sustenta, pouco, ou nada, eram ouvidos.
— Todos se impressionavam com ele. Era muito hábil, rápido. Muitas vezes, devido à facilidade dele com o computador, rapidamente conseguia informações jurídicas na internet e sabia mais do que eu e outros policiais — diz Torres.
Em 2006, após ser responsável por montar uma base no Conjunto Nova Sepetiba I, sendo acusado de assédio sexual — não comprovado pela Corregedoria —, Sampaio deixou a cúpula da Segurança, mas não se desligou do sonho. Debruçou-se mais sobre biografias e livros que lhe renderiam conhecimento. Devorou mais de 50 calhamaços: Bin Laden, o Homem que declarou guerra à América; Comando Vermelho; cadernos de instrução do Ministério da Defesa; “Arte da guerra”, de Sun Tzu; registro de ocorrências da Polícia Civil do Rio... Paralelamente, tocava sua empresa de prestação de serviços na área de limpeza, conservação e, claro, oferecia segurança a empresas privadas.
— Consulados de outros países trabalhavam com o meu serviço de portaria.
Movido a adrenalina, a vida se tornava monótona. Com a empresa Caçadores de Aventura, mais tarde Via Guarani, Sampaio comandava cursos de rapel, sobrevivência... Participava também de equipes de paintball, sempre em pistas que simulavam a guerra urbana do Rio. Em fotos, a farda parecida com a da Polícia Militar do Rio aproximava da realidade:
— Era comprada da China, por site. Lá, tem uma equipe de paintball como esse uniforme.
Como diretor da Associação dos Alunos do Colégio Militar, Sampaio deu cursos.
— Não era pelo Colégio Militar. Era pela associação. Sem arma de verdade. Só você considerar espingarda de chumbinho, que qualquer um compra, em qualquer lugar...
Entre uma tarefa e outra, ele não saía de casa. Sua mãe, dona Terezinha, lhe apelidou de ”eletrodoméstico”. O computador era o ombro amigo, fonte de esperança. O tempo passava e ele armazenava dados. Montado em estatísticas, formulou estratégias de policiamento. Sempre com a tecnologia e a lábia. E, meio que por obra do destino, Sampaio regressaria à sua praia. Ele foi ao 6 Batalhão de Polícia Militar (BPM) resolver uma questão referente ao Boletim de Registro de Acidente de Trânsito (Brat), em 2009. Encontrou amigos que deixou na Seseg e, por fim, estava à mesa num almoço com oficiais e o coronel Fernando Príncipe, sedento por reduzir índices criminais na Grande Tijuca. De fato, em carne e osso, nascia o Major Sampaio. Sustentando que suas ideias esbarravam na falta de respaldo, ele inventou que havia conseguido judicialmente o direito de reaver sua patente. Imediatamente, ao “conseguir o direito”, saltou para tenente-coronel.
— Ué.. Basta dizer.. Basta dizer.. E as pessoas acreditaram... — explica ele o “processo” de efetivação imaginário.
Fontes:
http://stive.com.br//http://extra.globo.com/geral/casodepolicia//http://sargentoricardo.blogspot.com/
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