Juíza criminal acredita que, para se combater a corrupção, polícia deve ter autonomia administrativa e financeira
RIO - A Operação Guilhotina, da Polícia Federal, que levou à prisão 30 policiais civis e militares — acusados de ligação com o tráfico e uma milícia —, reacendeu discussões sobre a fragilidade do controle externo das polícias e a precariedade de suas corregedorias. Única representante da Justiça estadual na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), a juíza da 40 Vara Criminal do Rio, Renata Gil, vai levar esses temas à próxima reunião do grupo — subordinado ao Ministério da Justiça —, no dia 7 de abril, em Brasília.
(Que mecanismos podem ser usados para combater a corrupção na polícia?)A ocupação do Alemão e da Vila Cruzeiro foi um marco para a polícia do Rio?
JUÍZA RENATA GIL: Quando vi as cenas da ocupação, não fiquei feliz. Não vi nenhum chefe do tráfico ser preso. Sequer o segundo escalão. Só prenderam os bandidos do terceiro escalão. Não adianta entrar com UPP, criar grupo de estudos sobre os crimes, se a ação dos maus policiais não for controlada. Há tempos, expedi mandados para prender o Nem (Antônio Francisco Bonfim Lopes, chefe do tráfico na Rocinha). A polícia subiu para pegá-lo, mas ele fugiu. Agora, com a Guilhotina, eu sei como ele soube da operação. É preciso acabar com a corrupção policial. Todo o resto é consequência.
O que é preciso para acabar com esse tipo de corrupção?
RENATA: Primeiro, a polícia precisa ser independente, como o Tribunal de Justiça é. Independente financeira e administrativamente. Hoje, ela é vinculada a um poder político, ao governador do estado. E o governo interfere nos cargos. A qualquer momento, por uma decisão do governo, o policial é trocado de delegacia, de batalhão. Quem escolhe o presidente do Tribunal de Justiça são os desembargadores do Órgão Especial. Na polícia não é assim. O Ministério da Justiça já discute há bastante a possibilidade de os governos fazerem um repasse obrigatório de verba às polícias. Essa seria uma solução para que as instituições alcançassem a tão necessária autonomia.
Corregedorias têm carência de pessoal e recursos
Para juíza, estrutura atual não permite combater a corrupção
As corregedorias das polícias Militar e Civil do Rio, no formato em que existem hoje, têm condições de combater a corrupção interna?
JUÍZA RENATA GIL: Não. Quando não se tem uma corregedoria forte ou bem aparelhada, o controle é quase inexistente. É o que acontece no Rio hoje. Há poucos policiais nas corregedorias, pouca organização administrativa, e há precariedade de recursos, materiais e equipamentos.
A sociedade não pode esperar muito das corregedorias?
RENATA: Nas corregedorias, há policiais antigos e bem-intencionados. Mas, sem qualquer equipamento e recurso, é impossível fazer um trabalho que dê resultado. Além disso, eles precisam de treinamento específico.
Qual deveria ser o reforço no efetivo das corregedorias?
RENATA: Difícil dizer. A polícia não passa quantos policiais trabalham lá. Eles sabem que têm poucos homens na corregedoria, mas a justificativa é que não podem tirar policiais da rua.
O Ministério Público tem a responsabilidade de fazer o controle externo da polícia. Tem sido suficiente?
RENATA: No Judiciário, temos controle sobre os processos. Sabemos os prazos. Na polícia não há isso. O tempo dos procedimentos extrapola os limites, e o MP do Rio não exerce seu papel constitucional de fiscalizar a atividade policial. Há promotores que acompanham os inquéritos de cada delegacia. Mas eles não sabem como esses inquéritos são conduzidos. Acompanham apenas a tramitação, fazem pedidos de mais diligências e apresentam a denúncia. O MP deveria ter um grupo específico para o controle externo.
Na Enccla são fixadas metas, apresentadas a diferentes órgãos para que sejam cumpridas. A Secretaria de Segurança do Rio não está no grupo. Isso não é um problema?
RENATA: Na Enccla, discutimos diversos assuntos, aprovamos metas no final de cada ano e os órgãos que a integram se comprometem a cumprir os acordos. É preciso que a Secretaria de Segurança do Rio participe também. A eficiência do trabalho policial é a garantia da eficiência da Justiça.
É possível ter esperança de que a polícia será mais comprometida com a sociedade?
RENATA: Com a Operação Guilhotina, vi uma luz no fim do túnel. Além disso, a seriedade do secretário José Mariano Beltrame e sua política de segurança mostram que há um caminho. Hoje, a política de segurança do Rio é séria e tem objetivo.
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