
Um dos temas mais polêmicos nas discussões sobre segurança pública no  Brasil é a presença das mulheres nas polícias. Apesar de todas as  organizações policiais brasileiras já admitirem que parcela do seu  efetivo deve ser feminino, ainda prevalece a cultura que desabona as  mulheres enquanto profissionais de polícia, notadamente quando  vislumbramos o perfil do policial ligado à linha de frente, à  operacionalidade, ao serviço de rua. Como é costume no Brasil, o  preconceito não se manifesta explicitamente, mas de modo velado e  corrosivo. Discutir a questão, buscando entendimentos, é o primeiro  passo para amenizar os danos que esta visão ocasiona.
Primeiro é preciso que identifiquemos a gênese da supervalorização do  homem nas polícias. Tal sentimento está diretamente ligado ao que é a  polícia para nós, às definições de qual deve ser o papel da polícia na  sociedade, enfim, à identidade da polícia.
Por que conseguimos tão facilmente adaptar a ideia que temos da polícia à ideia que temos do masculino?
Provocados esses questionamentos no leitor, cabe ressaltar que a  masculinidade em nosso mundo está fortemente associada à ideia de  agressividade e de violência, observação feita por inúmeros estudiosos,  intuitivamente fácil de conceber, e provada pelos números da violência  em qualquer cidade do mundo. (Leiam “Violência e estilos de masculinidade”, de Fátima Regina Ceccheto, para um aprofundamento).
O perfil do macho, e sua virilidade, se adéquam facilmente ao perfil  geralmente formulado para o policial. Quantos de nós, policiais homens,  num simples gesto de cordialidade ou polidez já não fomos surpreendidos  com a frase: “nem parece que você é policial…”?
Em poucas palavras, a exaltação do homem nas polícias está ligada a um  conceito equivocado do que vem a ser a atividade policial. As políticas  públicas, ou falta delas, que sucessivamente o Brasil tem visto no campo  da segurança fortalecem a intervenção do senso comum na atuação  policial, que acaba reproduzindo a cultura do homem macho, viril,  agressivo, violento.
Em texto recente neste blog,  a Aluna a Oficial PM e antropóloga baiana Luciana Prazeres disse que as  policiais femininas brasileiras eram “destacadas como ‘bibelôs’ que  salvaguardavam o caráter politicamente correto que o ambiente (policial)  enseja”. Perfeita construção, que merece ser expandida, para mostrarmos  quantos outros “bibelôs” temos nas corporações policiais brasileiras – o  conceito de “Polícia Comunitária”, os “Direitos Humanos”, o  “policiamento de proximidade” e “cidadão” etc.
Nada mais natural que neste contexto de equívocos, ignorado e exaltado  inclusive por muitas mulheres policiais, as PFem’s sejam subempregadas,  relegadas à atuação administrativa (sem desmerecer tal função), uma vez  que elas mesmas são as primeiras a rechaçar a participação numa  atividade tão viril quanto o policiamento de rua parece ser (o  policiamento de ruados moldes atuais sofre a mesma impopularidade entre  as mulheres que o balé sofre entre os homens, por motivos  culturais/tradicionais).
Julgo que a atividade policial deva ser técnica, profissional, pautada  em princípios de negociação e interação com os cidadãos. Eis o que é  preciso ser entendido para que deixe de ser óbvio que todos os policiais  devem ser do sexo masculino.
Uma boa medida para dar início a esta tendência, seria empregar pelo  menos uma mulher policial em cada guarnição na rua. Intuo que os abusos e  agressões em serviço diminuiriam significativamente. Mas é preciso  lembrar que nós, homens, além de termos como valores a violência e a  agressividade, temos também a sedução pelo poder. Deste modo, adotar  medidas como a sugerida seria um risco muito grande, não acham?
*Este texto é uma exaltação à posse de Regina Miki como Secretária Nacional de Segurança Pública.
 
 
 
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