opinião
Na correria de ontem, equeci de trazer este texto da editora do Caderno C do Jornal do Commercio, Flávia de Gusmão.
Boa leitura!
Poder: substantivo feminino
Por Flávia de Gusmão
Olhem para o quadro que está aqui ao lado. Nele, vocês verão uma lista ainda modesta de mulheres que, na era moderna, tornaram-se, cada uma delas sob circunstâncias distintas, chefes de Estado. Tem de tudo nesse balaio: várias procedências, fórmulas que funcionaram num lugar e em outros, não; respostas negativas e positivas ao mesmo arquétipo; características pessoais que atraem e causam repulsa na mesma proporção. Bem-vindos ao mundo do simbólico, no qual a leitura que fazemos de algo ou de alguém é bem mais importante do que a realidade investigada a fundo.
Este é o mundo daquilo que parece, mas não é. Exemplo 1: Cristina Kirchner, presidente da Argentina, poderia figurar na lista de convidadas para o seletíssimo réveillon da estilista Lenny Niemeyer, na Vieira Souto, Rio de Janeiro (olha a foto da posse dela, aí, no quadro ao lado. Não parece uma miss?). Olhar para ela é ter a sensação de que estamos em pleno Jockey Club da Gávea tomando o chá das cinco. Com todos esses insumos, pulamos, precipitadamente na conclusão de que a Cris é uma socialite fútil, que só ascendeu ao cargo puxada pela mão do marido. Não poderíamos estar mais errados.
Este é também o mundo daquilo que parece, e é Exemplo 2: Ao julgarmos pela aparência de Angela Merkel (Alemanha) e Michelle Bachelet (Chile) temos a mais absoluta certeza de que estamos diante de um novo modelo de mulher política. Aquela que obteve uma educação primorosa, com direito a doc e pós-doc, cuja vida de militância começou desde cedo e cujo cargo que hoje ocupam é fruto única e exclusivamente de uma lenta caminhada pelos terceiros e segundo escalões.
O terninho bem-cortado, o cabelo arrumado, pouca ou nenhuma maquiagem passam a mensagem desejada, que procura evitar qualquer desmerecimento pelo fato de serem mulheres. Dessa vez, acertamos em cheio.
Um caminhão de preconceito, gerado por estereótipos, foi (e será) carregado por Dilma Roussef ao longo da campanha que a conduziu à posição histórica de primeira mulher a presidir o Brasil. E este é, senão o maior, um dos grandes desafios a serem superados por ela: a sua própria condição feminina e os julgamentos que estarão inevitavelmente atrelados a esta situação de gênero. O que mais Dilma pode desejar é que a sua folha corrida entre para a história sob o ponto de vista de uma gestora, noves fora a sua combinação cromossômica. Todas estas mulheres aí ao lado desempenharam governos desastrosos, medíocres ou excelentes por razões que nada tivera a ver com seu gênero.
Não somos exatamente culpados por nutrirmos essa visão que seguramente é injusta, porque feita à distância e sem aprofundamento. Aparentemente, somos reféns dos estereótipos e reagimos de acordo com nossa crença na sua veracidade. Mesmo sendo sendo inexata, estereotipar é uma forma eficiente de organizar mentalmente aquilo que não conseguimos entender. E o que mais tememos é o caos. Separar as pessoas em categorias é uma habilidade essencialmente humana porque nos permite simplificar, prever e organizar o nosso mundo. Vamos, por um momento, imaginar que Marina Silva tivesse de fato ameaçado arrebatar o cargo.
Além do fato de ser mulher, em que categoria a inseriríamos? E Marta Suplicy? Mais uma vez, convido: deem uma olhada no quadro ao lado e vejam que praticamente todos os arquétipos femininos estão contemplados: a avó, a dona de casa, a guerreira, a mártir, a megera. Muito mais que mulheres, seres humanos.
O que há de mais recorrente ao detectarmos um estereótipo em ação é a sua negação. Entreviste 100 brasileiros que votaram contra Dilma e, sou capaz de apostar, nenhum deles dirá que o que impediu seu dedo de apertar o número 13 foi o fato de ela ser mulher. No entanto, ouviremos repetidas vezes substantivos como autoritarismo, presunção e dominação serem usados na mesma sentença em que seu nome aparece como sujeito direto ou indireto. Repudiamos, de fato, essas características ou repudiamos o fato de que, quando tornadas adjetivos essas são palavras mais frequentemente associadas ao yang do que ao yin. A pergunta é: se no centro do poder estivesse um homem será que esses mesmos verbetes não seriam trocados pelos (quase) sinônimos: pulso firme, segurança e controle da situação? O poder masculiniza porque ele é, no Oriente e no Ocidente, primordialmente um patrimônio masculino.
http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/pagina.php?pag=2/http://sargentoricardo.blogspot.com/
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