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domingo, 23 de janeiro de 2011

PEC 300: o leitor tem sempre razao!

O leitor tem sempre razão!
Já dizia o ditado: o freguês tem sempre razão. Jornalistas e escritores deveriam dizer: o leitor tem sempre razão. Pois bem, faço aqui um mea culpa: tenho recebido no site uma série de opiniões em que leitores e seguidores reclamam de que nós, os ditos especialistas em questões de segurança, nos limitamos a reclamar e denunciar situações críticas, sem nunca apresentar propostas para resolver os problemas relacionados a esta matéria. Como estou convencido de que a reclamação é justa, inicio aqui um esforço para propor soluções.

Vou chamar minha proposta de “Programa de 20 Pontos” para reduzir os índices de violência urbana e de combate ao crime organizado. Apresentarei cada item de modo sintético, mas me comprometo a desenvolvê-los em separado, com a colaboração de todos. Esse conjunto de sugestões se divide em três partes: ações imediatas (para resultados imediatos, já); ações táticas (de médio prazo); e ações estratégicas (de longo prazo). Eventualmente, essas propostas não constituem novidades, mas revelam, principalmente, o quanto deixou de ser feito. Acompanhem o raciocínio:

“Programa de 20 Pontos” para a redução da violência e combate ao crime organizado:

AÇÕES IMEDIATAS:

1. Reforma do aparato de segurança, acabando com a divisão entre polícia civil (ou judiciária) e militar (as PMs, forças auxiliares do Exército, entulho dos períodos autoritários. Durante os anos 1930-1950, os governadores queriam ter seu próprio exército regional.). Criação de uma só força de segurança, incluindo as polícias, a defensoria pública, o ministério público e o juízo de primeira instância. Todos juntos, numa mesma unidade física à disposição do cidadão, em condições de resolver os casos mais simples e acabar com a burocracia. Dotada de recursos da moderna informática, limparia o terreno da maioria das ocorrências criminais.

2. As polícias e os agentes judiciários, juntos, teriam ação de policiamento local (comunitário), patrulhamento, inteligência e grupos de intervenção (forças de choque para casos graves, com a presença de reféns ou situações de conflitos, baseados em armas não letais). É preciso que as forças de choque estejam habilitadas a intervir em conflitos e tragédias.

3. Aprovação do piso nacional salarial das polícias. Não faz sentido que os policiais de São Paulo ganhem menos do que os mesmos cargos do Piauí. Há no Congresso a PEC 300 (Proposta de Emenda Constitucional 300),sobre o tema, que deve ser aprovada. Os salários de fome pagos aos chamados “homens da lei” são a porta da corrupção. Sem um sério combate à corrupção, qualquer iniciativa contra o crime será inútil.

4. Criação do cadastro nacional de procurados, facilitando a identificação de criminosos e organizando a ação interestadual das polícias. Há anos se fala nisso, mas as medidas não são praticadas. Com a tecnologia do mundo virtual, seria muito fácil.

5. Atuação dos movimentos populares organizados (sindicatos, associações de bairro, OAB, CNBB etc) para exigir reformas legais. Especialmente a revisão da progressão de penas (se você comete 10 homicídios, paga apenas por um e sai com dois terços da pena); critérios mais rigorosos na concessão de indultos; rebaixamento da maioridade penal para 16 anos (assim como para votar ou tirar carta de motorista); construção de presídios destinados ao pessoal “dimenor”, que deve ficar separado do criminoso profissional. Acabar com a ideia de que “liberalidade penal” é um fator de “sociedade democrática”. A democracia deve preservar o direito dos comuns, a maioria, e cuidar das minorias conforme o seu caráter: vítimas ou agressores? Os critérios devem ser diferentes, porque a violência é antidemocrática. A violência é o caos. A atualização das leis no Brasil é um fator determinante na redução da violência. Mas nossos políticos são relutantes, uma vez que a atualização da legislação pode atingi-los. Essa é uma questão básica a ser reformada. A progressão de penas não poderia ser aplicada a crimes hediondos, nem a reincidentes. Exemplo: libertaram no dia das crianças dois dos sequestradores do publicitário Washington Olivetto – eles não eram brasileiros nem tinham filhos. Fugiram no mesmo dia. Como se explica isso?

6. Muitas ações do movimento popular organizado e de ONGs honestas têm mudado a cara do Brasil. Há grandes avanços em matéria de ações culturais, esportes, pré-escola e saneamento que estão dando resultado em muitas zonas pobres do país. É preciso criar coordenações municipais, estaduais e nacionais para esses movimentos. Não se combate a violência apenas com polícia. É preciso mudar a vida das pessoas objetivamente e resistir ao apelo sedutor do crime. Tirar as crianças das ruas é fundamental.

7. Aplicar as forças federais de maneira mais intensiva, superando discrepâncias políticas. A Polícia Federal deve coordenar as tarefas nacionais de combate ao crime organizado e à corrupção. Passando por cima dos interesses locais, que alimentam a corrupção e o crime.

8. O projeto das UPPs deve continuar, porém mudando de foco. Ao invés de ser apenas um “pequeno estado de sítio” sobre uma população juridicamente indefesa, deve se tornar um instrumento de defesa constitucional e proteção das obras públicas necessárias a devolver a dignidade a essas populações. O Estado se afastou dessas comunidades há 30 anos, permitindo a instalação do poder paralelo do narcotráfico. Se as UPPs permanecerem como forças de vingança contra o povo pobre, agredindo moradores (“eles adoram dar tapas na cara da gente”), assediando as mulheres (“não tem uma garota aqui que não tenha levado uma cantada”), saqueando moradores (a PM chegou a proibir que os soldados usassem mochilas, onde escondiam bens sequestrados dos moradores), teremos mais um fracasso. E teremos perdido uma grande oportunidade de construir uma polícia comunitária, educada e solidária. Precisamos superar o conceito de “classes perigosas”, que apontam para os pobres como “celeiro” de criminosos – e que aponta para seus locais de moradia como “áreas perigosas”. O nome disso é preconceito e arbitrariedade.

9. Criação de estruturas nacionais de coordenação de defesa civil e socorro às vítimas de tragédias. Gastamos muitos milhões de reais com a reconstrução de cidades e bairros assolados, mas quase nada em prevenção e desenvolvimento de mecanismos de alerta para tragédias. Países mais pobres do que nós, como o Chile e o Irã, podem nos ajudar com bons exemplos. Aqui reconstruímos no mesmo lugar das tragédias, o que é quase antecipar a próxima. A insegurança no modo de vida dessas populações também incentiva o crime e a violência.

AÇÕES TÁTICAS:

Ocupando as áreas dominadas pelo crime, as forças públicas precisam garantir o trabalho de saneamento básico, fornecimento água potável, eletricidade, limpeza pública, creches, educação fundamental, projetos culturas, esportivos e lazer. Se tudo isso for oferecido, estará estabelecido um paradigma positivo contra a sedução do crime. Melhor: todas essas tarefas de construção e manutenção devem ser executadas com mão de obra local, mediante treinamento e especialização. Assim o ciclo se completa com a geração de emprego e manejo econômico local. O morador com dinheiro no bolso vai gastar nos empreendimentos da própria comunidade, como o varejo de alimentos e bens de consumo, material de construção etc. Imensas populações pobres vão adentrar o mercado de consumo, realimentando o processo de inclusão social. É muito mais barato do que os prejuízos provocados pela violência e as tragédias.
Aprovação pelo Congresso Nacional de uma “lei de infiltração”, que garanta imunidade ao agente policial que se misture com os banidos, visando investigá-los. Hoje, ao se aproximar dos criminosos, o policial comete uma série e crimes, inibindo a sua atuação. É preciso transformar isso numa ação legal – e não clandestina. O policial infiltrado ainda deve receber benefícios e seguros especiais. A mesma lei deve assegurar o uso de verbas para a compra de informações e recrutamento de informantes. A chamada “delação premiada” ainda é um instrumento precário, mais destinado a criminosos arrependidos (ou ameaçados), do que a ações policiais organizadas.
Criação da Guarda Nacional de Fronteiras, coordenada entre as forças armadas nacionais e a Polícia Federal, para combater o narcotráfico, a infiltração de grupos hostis (como as FARCs colombianas), o contrabando e a pirataria pelas fronteiras secas e amazônicas. Desenvolvimento de um acordo multinacional para a ação das polícias e das forças armadas dos países vizinhos (Brasil, Argentina, Bolívia, Paraguai, Colômbia e Venezuela), criando uma zona de 50 quilômetros nas fronteiras, onde poderiam ocorrer ações de ataque contra grupos criminosos e produtores de drogas, mediante troca de informações e aviso prévio. Não se trata de reeditar a Operação Condor dos tempos das ditaduras, mas promover uma ação legal e de resultados.
Criação da Guarda Costeira Nacional, ligada à Marinha do Brasil. Temos quase 10 mil quilômetros de litoral atlântico sem qualquer tipo de proteção. Todos os especialistas em tráfico de drogas sabem que as grandes partidas de entorpecentes e armas, que só podem ser medidas em toneladas, seguem pelo mar. O material clandestino chega misturado com as cargas comerciais e – em alto mar – é transbordado para pequenos navios pesqueiros. Estes atracam em pequenos portos de cabotagem ao longo da costa, inclusive nas grandes cidades. A Guarda Costeira estaria equipada com fragatas, barcos torpedeiros de interceptação e assalto, aviões-radares e helicópteros. A força também seria aplicada em resgates no mar.
O meio acadêmico brasileiro deveria ser estimulado, por meio de bolsas e prêmios, a produzir o estudo de alto nível da questão da violência e do crime organizado. A universidade está devendo um papel decisivo na compreensão do fenômeno, inclusive prevendo desenvolvimentos futuros. Este raciocínio permite avançar no sentido da criação das Universidades de Polícia, com currículo teórico e tecnológico. Isto permitiria o surgimento de uma “inteligência policial”, substituindo a violência e a corrupção. É uma forma de assegurar a repressão ao crime sem ofender a ampliação das conquistas democráticas.
O Brasil comemora 25 anos de liberdades, tendo pelo menos 4 períodos de governo (FHC e Lula, em 16 anos) com excelentes resultados. Lula entra para a história como autor de políticas que reduziram a pobreza e a desigualdade social. No entanto, nos últimos 30 anos, mais de um milhão de pessoas, a maioria jovens, foram vítimas da violência armada em nosso país. Isto é mais do que todas as guerras modernas, pós-Vietnã. Em dez anos de conflito no Iraque e no Afeganistão – e em toda a chamada “guerra ao terror”, desencadeada por George W. Bush após os atentados de 11 de setembro de 2001 – houve algo em torno de 100 mil mortos. Ganhamos de longe. O moderno Estado brasileiro está devendo uma política de pacificação nacional. A presidente Dilma deveria se preocupar com o item da pacificação. Os ministérios da Justiça e da Defesa deveriam criar uma coordenação nacional para o tema, propondo as ações necessárias à pacificação. A chamada “sociedade civil” deveria estar envolvida nas propostas.


AÇÕES ESTRATÉGICAS:

As ações de desenvolvimento econômico dos governos Lula resultaram na criação de 15 milhões de novos postos de trabalho no país, com a inclusão de imensas massas de pessoas no mercado formal. Só em 2010, foram 2,5 milhões de contratados, um recorde histórico. No entanto, o ritmo geral de redução da violência foi de apenas 6%. Com a criação de empregos, os crimes de homicídio têm uma redução imediata. Por razões óbvias: o desempregado não fica mais bebendo no bar. Pelas mesmas razões, diminuem os crimes passionais e a violência doméstica, especialmente contra as mulheres. Portanto, a manutenção e a ampliação do nível de emprego é uma tarefa estratégica contra a violência.
No quadro geral da violência criminal, 70% das ocorrências policiais são ataques contra o patrimônio, furtos e roubos, com a novidade das “saidinhas de banco” e dos “sequestros relâmpagos”. A maioria dos sentenciados do país (cerca de 473 mil prisioneiros), está condenada por tais crimes. Note-se que, no Brasil, só 1% dos crimes resultam em condenações judiciais, especialmente pobres, pretos e favelados. Em nossos tribunais de todos os tipos (cíveis, criminais, superiores) há 70 milhões de processos parados. Portanto, a reforma dos códigos de processo penal é urgente. Nas penitenciárias. 5% dos presos já cumpriram suas penas e continuam encarcerados, por causa da burocracia judiciária. A reforma do sistema penal é estratégica. Todas as facções criminosas conhecidas nasceram dentro das cadeias. O sistema carcerário é desumano, deseducador e baseado no castigo. Não recupera ninguém. O sujeito entra ladrão e sai chefe de quadrilha. Sem uma profunda reforma do sistema penal e carcerário, dificilmente conseguiremos deter a marcha da violência e do crime organizado.
O operário Lula iniciou um modelo de reforma do capitalismo no Brasil, demonstrando que é possível crescer com lucro e distribuição de renda, ao mesmo tempo. O PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), de um ponto e vista estratégico, será o principal fator de redução da violência. Com emprego e aumento de renda para amplas camadas sociais, a criminalidade tende a decrescer, ao longo dos anos. Acabar com o crime é uma ilusão. Existe crime organizado, narcotráfico e coisas piores em países como a Suécia, a Islândia e o Canadá, onde o nível de desenvolvimento humano atingiu patamares elevadíssimos. Mas podemos imaginar uma meta, que tornaria a situação mais aceitável em termos brasileiros: redução de 50% das estatísticas criminais em dez anos.
Como a sociedade brasileira está criminalizada de alto a baixo, precisamos criar mecanismos para confirmar o mandato de políticos e administradores, a cada dois anos, confirmando ou não o apoio popular. Como as eleições no país já ocorrem a cada dois anos, poderíamos acrescentar plebiscitos para confirmar mandatos. A banda podre da política seria eliminada no meio do prazo de vigência dos mandatos. Já seria um avanço notável.
Da mesma forma que presidentes, governadores, senadores, deputados federais, estaduais, prefeitos e vereadores são eleitos pelo voto direto, também deveriam ser eleitos os juízes de tribunais superiores, secretários de segurança, chefes de polícia etc, em chapa conjunta, para que o povo possa expressar a sua vontade num conjunto mais amplo. No país, após ser eleito, o político não presta contas a quem o elegeu. E ainda manda muito por decreto, ignorando a vontade popular.


Estas são propostas simples, alinhavadas sem muito rigor científico. Mas apresentam um ponto inicial de raciocínio. Comentem. Critiquem. Cada luz é uma luz.

Carlos Amorim

"Carlos Amorim é jornalista profissional há 40 anos. Começou, aos 15, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias BandNews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão.

Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2008). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano.

Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc).

Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005)."
http://sargentoricardo.blogspot.com

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