Ela está na casa do vizinho, no carro que abriu o porta-malas no meio da rua, no edifício em construção ou mesmo num bar. A poluição sonora invadiu a rotina dos cidadãos pernambucanos, roubando-lhes a paz, a saúde e até a segurança. Somente em dezembro do ano passado, o Centro Integrado de Operações de Defesa Social registrou 18 mil ocorrências de perturbação do sossego no estado, o equivalente a cerca de 24 ligações por hora. As queixas também chegaram ao Disque-Denúncia. Foram mais de 10 mil ao longo de 2010. O incidente ocorrido no último sábado, na praia de Serrambi, no Litoral Sul, quando uma jovem foi baleada durante uma briga por causa de som alto expõe a dimensão do problema. Apesar de ser pioneiro no combate estruturado à poluição sonora, com a campanha encabeçada pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) Som Sim, Barulho Não, que completa um ano hoje, o estado ainda tem um longo caminho a percorrer para vencer esse mal nada silencioso.
Para o coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias do Meio Ambiente do MPPE, o promotor de Justiça André Silvani, o fato de as pessoas abusarem do som alto desconsiderando o direito do outro ao silêncio está relacionado a uma questão cultural, o que torna difícil o cumprimento da legislação que coíbe essa prática. ´Isso de ouvir o som da forma, do jeito e na hora que se quer é um problema cultural forte no país. O brasileiro é extrovertido e gosta de expandir sua alegria. Mas até para isso existem limites`, pontuou Silvani. Limites estes que pareciam não existir para os ocupantes da casa de praia onde houve a confusão em Serrambi. Segundo vizinhos, o barulho na residência era diário e costumava entrar pela madrugada. ´Existe um consenso entre os moradores antigos de que não se deve colocar o som nas alturas. Mas muitos inquilinos chegam para as férias e não querem saber disso, criando problemas`, afirmou a bibliotecária Fernanda Moreira, 54, que há 30 tem casa no condomínio Portal de Serrambi.
O promotor André Silvani observa que a mesma resistência cultural aconteceu com o uso de cinto de segurança automotivo e com a proibição de cigarro em locais fechados. ´Hoje, as pessoas que fumam em ambiente fechado são consideradas provocadoras, alguém com problemas sociais. Há dez anos não havia essa consciência. O combate à poluição sonora deve seguir essa linha de maturidade`, avaliou. Em um ano de existência, a campanha identificou pontos fracos no sistema público que dificultam a punição aos infratores. Um deles é o despreparo da polícia. ´A conduta esperada de um policial é a mesma de um caso de roubo, por exemplo. Ele deve apreender o equipamento de som, que é a arma do crime, e levá-lo, junto com o infrator, à delegacia`, explicou.
Em fevereiro, o MPPE deve fechar um cronograma de capacitações de policiais, em parceria com a SDS, para uniformizar abordagens desse tipo. (Ana Cláudia Dolores e Alice de Souza).
EXEMPLO DE OCORRÊNCIA DE PERTUBAÇÃO DO SOSSEGO
Seguranças negam a versão do empresário
Os seguranças Eronildo José do Nacimento,32, e Lindinaldo José Soares da Silva Júnior, 35, funcionários da empresa Serrambi Segurança Pública (SSP), prestaram queixa e depoimento à polícia, ontem. Os dois desmentiram a versão contada por Adriano Lapenda, 51, locatário da casa onde aconteceu a discussão. O empresário deverá ser ouvido amanhã.
Os seguranças estiveram na delegacia de Porto de Galinhas, juntamente com o dono da SSP, Luiz Mário de Melo, 55. Prestaram queixa por agressão moral, ameaça e danos patrimoniais. Eles negaram trabalhar com armas de fogo. ´Fomos duas vezes ao local, a pedido dos moradores do condomínio, para pedir que o aparelho de som fosse desligado. Da primeira vez, eles acataram. Mas quando chegamos novamente, começaram a questionar nossa presença com palavrões e ameaças`, lembrou Eronildo. De acordo com o vigilante, os dois foram cercados pelas pessoas que estavam na casa. Em seguida, ouviram os tiros. ´Adriano saiu de casa com a arma, disparando. Então deixamos as motos e corremos`,contou. As motocicletas abandonadas foram alvejadas pelo empresário, que desferiu dois tiros em cada.
Apesar de negar ter efetuado os disparos, Lapenda admitiu ter arma e porte legal. Segundo ele, Eronildo e Lindinaldo é que teriam atirado. ´O dono da SSP chegou a me procurar no domingo para apaziguar a situação. Ele pediu desculpas e disse que iria entregar o revólver`, contou. No entanto, o advogado dos seguranças, Carlos Queiroz, nega a informação. ´Ele nos procurou para tentar acordo. Não aceitamos`.
Segundo Luiz Mário, a SSP existe há 11 anos, é legalizada e nunca teve problemas. ´Trabalho com vários condomínios em Serrambi e Porto. Garanto que meus funcionários não usam armas.`
Moradores da área confirmaram que ouviram música alta vindo da casa do empresário e contaram que a confusão foi ainda maior. ´Um tratorista que passava na hora foi abordado para dizer onde estavam os seguranças`, contou Fernanda Moreira. O delegado Paulo Albéres voltou ontem ao local do crime
Saiba mais
Poluição sonora em Pernambuco
Somente em dezembro, o Ciods recebeu uma média de 24 denúncias por hora, o que representa 18 mil no mês
Entre 25 de janeiro de 2010 e 25 de janeiro de 2011, o Disque-Denúncia recebeu mais de 10 mil ligações com queixas de som alto
Em 2008, foram 1.973 ligações recebidas pelo Disque-Denúncia. Em 2009, 2.827
Em 2010, 43% das infrações de poluição sonora aconteceram em casas, 21% em vias públicas, 17% em bares e 13% em outros estabelecimentos
A maioria dos abusos acontece à noite, com 31%, seguido dos turnos da tarde, 19%, e da manhã, 10%
A maioria dos infratores está concentrada no Recife, com 51% das ocorrências, seguido de Caruaru, 12%, Jaboatão, 11%, e Olinda, 9%
Fontes: Disque-Denúncia e MPPE
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