Estas ultimas semanas fomos tomados pelo furor da mídia. Em todos os veículos de comunicação a invasão das favelas no Rio. Milhares de policiais subindo aquele território inóspito, temido (odiado?) e desconhecido das classes média e alta. Lá em cima, centenas de “bandidos” fugindo morro acima, em busca da mata selvagem que os guarneceria das forças policiais (uma amiga me perguntou por que a polícia não os metralhou do helicóptero). A tevê fez uma cobertura bem ao estilo dos antigos filmes de faroeste – com a cavalaria vindo para aniquilar os selvagens e restaurar a paz dos bons colonizadores. Seria a “retomada” das favelas pelo Poder Público.
Acompanhei pela TV - legítima voz da diminuta parcela da população que constitui o topo da pirâmide social – manifestações de apoio e palavras de ordem em prol da ação policial. Vivas à entrada das forças armadas na ação. Frases do tipo “bandido bom é bandido morto” reverberaram pelo microblog. Couberam-me então algumas reflexões.
Antes de tudo, essa cobertura da mídia não traz – até porque não é do seu interesse trazê-lo – uma contextualização e uma historicidade do problema das favelas em nosso país. Suas causas.
A favelização é fruto do alheiamento histórico do Estado às camadas mais pobres. A ausência de uma política de habitação voltada para os mais carentes – aliada à ausência de meios de transporte coletivo, de educação e de saúde de qualidade na periferia – produziu o crescimento da favelização e das submoradias nas proximidades das zonas elitizadas.
Simbólica e falaciosa, assim, é a expressão “retomada das favelas pelo Estado, através da polícia”. Não se pode retomar o que nunca esteve presente. O Estado as ignorou por décadas.
As favelas são um claro exemplo da nossa gritante desigualdade social, a despeito do fato de que a Constituição apregoa como um dos objetivos da República erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, da CF). E o discurso hegemônico ainda culpa os vitimados que residem nos morros – como se os favelados lá estivessem por pura teimosia ou malícia mesmo.
Outra reflexão que faço diz respeito ao uso de um outro significante: “bandido”. Se bem observarmos, essa palavra tem uma alta carga preconceituosa. Nunca a utilizamos quando estamos a tratar de pessoas do nosso círculo social que cometem infrações penais – ainda que tais condutas causem um prejuízo inúmeras vezes maior. A pose e a posse (de bens e de status social) os imuniza. Nos identificamos com os que nos são parecidos ou de nosso convívio social. É difícil olhar para dentro...
O bandido (ou marginal) é definido, assim, bem ao estilo lombrosiano: indivíduo diferente, pobre, geralmente mestiço ou negro, tatuado, de gírias próprias e de baixo grau de instrução, geralmente associado aos crimes contra o patrimônio ou ao uso/tráfico de drogas.
Fixado o estigma, o “bandido” é desumanizado. E pouco importa (até porque seria revelador e chocante demais percebê-lo sob a ótica do excluído) seu passado – a falta de oportunidades, de educação, de saúde, de lazer, de perspectivas – é o outsider, o diferente – o inimigo irrecuperável a ser perseguido e exemplarmente punido. Aquele que ameaça a paz dos bons. É mais fácil rotulá-lo e cobrar punição exemplar – quando não a pena capital sumária: renda-se ou (de preferência) morra! E a morte será o resgate da nossa justa tranquilidade por eles usurpada.
Assim, operações como a que assistimos no Rio de Janeiro combatem uma situação degradante existente, mas somente em suas consequências. O verdadeiro mal permanece lá: nossa desigualdade social absurda (o Brasil, num ranking de 175 países, ficou em 167º lugar) e a falta de oportunidades e de perspectivas a milhões de jovens carentes. O Estado Social tem que se fazer presente pra valer nos grotões pobres, onde vivem os marginais (que estão à margem da sociedade de consumo). O Estado Polícia (e os inúmeros abusos que ele comete) lá todos conhecem muito bem. Senão, tudo voltará ao mesmo em poucos meses.
Assim, aos que bradam morte aos “bandidos” da favela, pergunto: em termos de impunidade e em escala de valores dos crimes, tem mais bandido na Rocinha ou na Barra?
E aos que bradam “bandido bom é bandido morto”, completo a frase. Bandido bom é bandido morto desde o berço: com boa educação, saúde, lazer e oportunidades de vida desde bebê.
Matemos a causa!
Acompanhei pela TV - legítima voz da diminuta parcela da população que constitui o topo da pirâmide social – manifestações de apoio e palavras de ordem em prol da ação policial. Vivas à entrada das forças armadas na ação. Frases do tipo “bandido bom é bandido morto” reverberaram pelo microblog. Couberam-me então algumas reflexões.
Antes de tudo, essa cobertura da mídia não traz – até porque não é do seu interesse trazê-lo – uma contextualização e uma historicidade do problema das favelas em nosso país. Suas causas.
A favelização é fruto do alheiamento histórico do Estado às camadas mais pobres. A ausência de uma política de habitação voltada para os mais carentes – aliada à ausência de meios de transporte coletivo, de educação e de saúde de qualidade na periferia – produziu o crescimento da favelização e das submoradias nas proximidades das zonas elitizadas.
Simbólica e falaciosa, assim, é a expressão “retomada das favelas pelo Estado, através da polícia”. Não se pode retomar o que nunca esteve presente. O Estado as ignorou por décadas.
As favelas são um claro exemplo da nossa gritante desigualdade social, a despeito do fato de que a Constituição apregoa como um dos objetivos da República erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, da CF). E o discurso hegemônico ainda culpa os vitimados que residem nos morros – como se os favelados lá estivessem por pura teimosia ou malícia mesmo.
Outra reflexão que faço diz respeito ao uso de um outro significante: “bandido”. Se bem observarmos, essa palavra tem uma alta carga preconceituosa. Nunca a utilizamos quando estamos a tratar de pessoas do nosso círculo social que cometem infrações penais – ainda que tais condutas causem um prejuízo inúmeras vezes maior. A pose e a posse (de bens e de status social) os imuniza. Nos identificamos com os que nos são parecidos ou de nosso convívio social. É difícil olhar para dentro...
O bandido (ou marginal) é definido, assim, bem ao estilo lombrosiano: indivíduo diferente, pobre, geralmente mestiço ou negro, tatuado, de gírias próprias e de baixo grau de instrução, geralmente associado aos crimes contra o patrimônio ou ao uso/tráfico de drogas.
Fixado o estigma, o “bandido” é desumanizado. E pouco importa (até porque seria revelador e chocante demais percebê-lo sob a ótica do excluído) seu passado – a falta de oportunidades, de educação, de saúde, de lazer, de perspectivas – é o outsider, o diferente – o inimigo irrecuperável a ser perseguido e exemplarmente punido. Aquele que ameaça a paz dos bons. É mais fácil rotulá-lo e cobrar punição exemplar – quando não a pena capital sumária: renda-se ou (de preferência) morra! E a morte será o resgate da nossa justa tranquilidade por eles usurpada.
Assim, operações como a que assistimos no Rio de Janeiro combatem uma situação degradante existente, mas somente em suas consequências. O verdadeiro mal permanece lá: nossa desigualdade social absurda (o Brasil, num ranking de 175 países, ficou em 167º lugar) e a falta de oportunidades e de perspectivas a milhões de jovens carentes. O Estado Social tem que se fazer presente pra valer nos grotões pobres, onde vivem os marginais (que estão à margem da sociedade de consumo). O Estado Polícia (e os inúmeros abusos que ele comete) lá todos conhecem muito bem. Senão, tudo voltará ao mesmo em poucos meses.
Assim, aos que bradam morte aos “bandidos” da favela, pergunto: em termos de impunidade e em escala de valores dos crimes, tem mais bandido na Rocinha ou na Barra?
E aos que bradam “bandido bom é bandido morto”, completo a frase. Bandido bom é bandido morto desde o berço: com boa educação, saúde, lazer e oportunidades de vida desde bebê.
Matemos a causa!
Postado por Blog Notícia da Caserna
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