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terça-feira, 14 de dezembro de 2010


Às vezes, eu recebo alguns e-mails de policiais militares relatando absurdos, faltas de respeito, tratamentos desumanos para com o profissional. Alguns e-mails me fazem pensar que os militares vivem num regime de escravidão, num estado de exceção. Vejam só o teor da última mensagem que recebi (Obs.: troquei o nome da instituição por “?”):


Boa noite!
Caro companheiro, sou Sd da ? e gostaria de saber sobre a carga horaria especifica para a area operacional, pois o que acontece ultimamente no Dst ? onde trabalho, é sem condição, um desrespeito com a pessoa humana. Tem tres concorrendo a escala operacional trabalhando um plantão de 24 hs tendo 24 hs de descanso, mais um sobre aviso das 08:00 as 18:00hs fardando e trabalhando ate as 00:00hs e 08:00hs quando assume o plantão de 24hs, não sei como recorrer tendo em vista q a legislação da ? só fala sobre carga horaria mínima. Peço encarecidamente um caminho que posso seguir!

Leitores do blog, quando falo sobre a desmilitarização, vem sempre alguns dizendo que iríamos perder muito com isso. Certo, mas me diga se situações como a descrita acima não acontecem, no serviço público, somente em instituições militares, cujos profissionais sequer podem ter um sindicato para reivindicar direitos míninos, como uma carga horária. E, falando com toda sinceridade, isso que o companheiro relatou é uma extrema falta de respeito para com o ser humano!!!!! Os vários pontos de exclamação são para tentar expressar, de forma escrita, meu grito de indignação.

Estamos nos tornando escravos conformados. Ninguém reclama; e também reclamar para quem, já que o direito trabalhista não existe para nós, quanto mais uma Justiça do Trabalho...

Refiro-me a escravidão, pois não é só em destacamento que o militar sente que estão tirando sua vida. Eu sou sargento e uma grande indignação que tenho é quanto aos encargos, ou melhor, sobrecargos. Nós subtenentes e sargentos estamos nos tornando escravos conformados, passivos. Ora, temos que nos unir para acabar também com esse absurdo.

Não pensem, senhores e superiores, que é somente eu que estou reclamando. Não, negativo. Essa é uma reclamação que ouço frequentemente de muitos sargentos, mas essas queixas não têm para quem ser direcionadas. Vamos reclamar para quem? Para o senhor comandante? Será que Sua Senhoria vai atender nossos apelos, ou será que vai rir de nossa cara...?

Eu já sugeri, em outras postagens, que fosse criada uma equipe em cada Unidade para cuidar desses encargos referentes a procedimentos administrativos. Não vou ficar repetindo o que já disse. Clique aqui e aqui para saber minha opinião sobre o assunto.

Ontem, um sargento me disse, durante uma conversa, uma coisa muito interessante. Ele falou que tinha vontade de dizer o seguinte para o superior: "Superior, se o senhor quer tirar a sua vida, ok. Mas, por favor, não tire a minha". Ao termo vida, ele se referia às outras vidas além da profissional, como e principalmente à vida familiar.

Existem superiores que se dedicam 24 horas à polícia e querem que seus subordinados façam o mesmo e, ainda por cima, consideram isso totalmente normal. Então, eu faço minhas as palavras do companheiro. Superior, se o senhor quer tirar a sua vida, ok. Mas, por favor, não tire a minha. Não tire a minha, pois minha filhinha está para nascer e eu quero curti-la muito. Superior, após sair do serviço, eu não quero nem me lembrar da farda, então, por favor, não me incomode. Superior, quando eu estiver na minha casa, não quero nem pensar em prazos de sindicâncias, não quero ler procedimentos administrativos nos quais vou ter que dar parecer no CEDMU, não quero usar meu computador pessoal para fazer o relatório final do RIP, muito menos usar meu telefone particular para tentar contactar testemunhas que devam ser ouvidas em procedimentos sumários. Superior, quando eu não estiver no quartel ou numa viatura, eu quero estudar, ler meus volumosos livros de programação, ou meus agradáveis livros literários, ou simplesmente ficar em paz com minha família, conversando com minha esposa ou brincando com minha filhinha que está por vir. Superior, eu só quero viver.

Voltando a questão dos destacamentos, saibam que eu sei muito bem como é a vida dos profissionais que trabalham nessas frações, visto que também já trabalhei em um. Naquela época, há cerca de cinco anos, diziam que existia um memorando que determinava que, para o policial sair do destacamento, inclusive nos dias em que estivesse de folga, ele tinha que pedir AUTORIZAÇÃO para o superior. Prestem atenção no termo, eu disse “AUTORIZAÇÃO”, ou seja, toda vez que você estivesse de folga você deveria solicitar ao superior para poder se ausentar do município, e o superior poderia negar, a seu critério, e aí o militar teria que ficar literalmente preso no município.

Nunca procurei saber sobre a veracidade da existência desse memorando, pois eu não iria respeitá-lo mesmo se de fato existisse, uma vez que a Constituição Federal, em seu artigo 5ª, inciso XV, garante a QUALQUER PESSOA locomover-se pelo território nacional em tempo de paz. E se me prendessem ou me punissem, eu iria recorrer até a última instância administrativa ou criminal possível, iria entrar em contato com jornais e televisões para denunciar isso que para mim é um absurdo. Ora, ninguém pode me prender, seja num espaço de uma cela ou num espaço territorial de um município, sem que eu tenha cometido algum crime. Sou um profissional livre ou sou um escravo que não pode ir além dos limites territoriais de seu dono?

Não sei se vocês estão percebendo o tamanho do absurdo, mas como dito, estou falando em ficar preso numa cidade nos dias de folga, não estou falando no horário de serviço, não, não é isso. É nos dias de folga mesmo, por isso é que eu não respeitava, pois não sou ESCRAVO. Sou um profissional, um trabalhador. Ou o policial não é um trabalhador? Será que o policial militar vive num regime de exceção?

O e-mail que recebi apenas me reafirmou a total falta de respeito à qual estamos sujeitos, pois como bem disse o remetente da mensagem, o regulamento só dispôs sobre a carga horária mínima. Isso mesmo, em nossas normas administrativas não se fala nada em pagamento de hora extra ou, o mínimo que fosse, de um banco de horas, claro que o trabalho extra não poderia ser computado como carga horária normal, isto é, o que quero dizer é que essas horas extras deveriam ir para o banco de horas com um acréscimo de 50% ou mais, visto o desgaste que causa no profissional esse trabalho além da jornada prevista.

Companheiros, não sei se vocês já perceberam, mas não existe na instituição militar, pelo menos não que eu conheça, nenhum profissional da área de segurança do trabalho, o que eu acho que seria imprescindível. É fundamental que tenhamos um estudo sobre os riscos a que estamos sujeitos. Um estudo, por exemplo, sobre a ergonomia das viaturas ou sobre a utilização dos coletes balísticos, inclusive sobre o prazo de validade deles e quanto ao uso de um mesmo colete por vários policiais, o que, em minha opinião, pode ser causador de doenças contagiosas, uma vez que o policial transpira, e o colete absorve essa transpiração, e esse colete saturado de material biológico é usado por outro profissional. O colete é apenas um exemplo para ilustrar a falta de legislação para nos proteger, da falta que nos faz um sindicato, da falta que nos faz os direitos do trabalhador e de tudo quanto estamos sujeitos por estarmos regidos por um regime de exceção, talvez de escravidão.

Leitores do Universo Policial, o que me deixa triste é a nossa falta de mobilização para tentar mudar essa realidade. O fato é que não nos mobilizamos, não fazemos nada para mudar. Somente reclamamos de forma recíproca, entre nós mesmos. Não cobramos de nossos representantes políticos que eles nos vejam como profissionais. A minha percepção é de que lutamos de forma organizada apenas por salários e promoções. As reivindicações, ano após ano, só ficam nisso, salário e promoção, salário e promoção...

Não podemos aceitar que sejamos tratados como escravos. Se o superior quer se autoescravizar, que tirar sua própria vida, isso é com ele, o que não podemos aceitar é que ele nos escravize.

Para finalizar essa postagem, gostaria de solicitar ao representante político de nossa classe no Estado de Minas Gerais, eleito com nossos votos e de nossos familiares, o Deputado Sargento Rodrigues, que resolva a situação do remetente do e-mail, porquanto, infelizmente, foge da capacidade de um blog criar alguma lei que possa estipular uma jornada máxima nas instituições militares estaduais. Enquanto não existir esse contrapeso legal aos absurdos institucionais, só tenho a dizer a ele que se adapte ao regime de escravidão, pois, realmente, na legislação em vigor, só existe uma carga horária mínima. Faço também um pedido em nome dos subtenentes e sargentos, que seja criado um dispositivo legal, talvez incluído num novo Código de Ética, prevendo a criação de uma equipe em cada Unidade responsável exclusivamente pela confecção de procedimentos administrativos, equipe que, logicamente, trabalharia em sua jornada normal de serviço, dispondo de materiais e equipamentos adequados. Será que é pedir demais?
http://renataaspra.blogspot.com / http://sargentoricardo.blogspot.com/

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