Foto por: WEB
Salil Shetty chega ao Brasil nesta segunda-feira,5 Secretário-geral da AI (Anistia Internacional) desde 2009, Salil Shetty, 52, não tem dúvidas: a polícia militar deveria ser extinta no Brasil, dando lugar a forças unificadas em um modelo civil.
"O excesso de força é frequente, documentamos há anos casos de tortura e de execuções. O país precisa discutir que tipo de segurança quer."
Ex-diretor da Campanha do Milênio, projeto da ONU para países em desenvolvimento, o economista indiano não evitou divididas em uma hora de conversa telefônica.
Falando de Londres, ele apresentou posições da entidade -uma das mais respeitadas no mundo- sobre maioridade penal, espionagem de governos, golpe no Egito e a relação entre internet e direitos humanos.
Shetty criticou o governo brasileiro pelo que vê como omissão frente à guerra na Síria, onde embates entre governo e rebeldes já mataram mais de 100 mil pessoas, segundo a ONU, e deixaram 1,4 milhão de refugiados: "Rússia e China usaram o silêncio de Brasil, Índia e África do Sul [no Conselho de Segurança]" e "Dilma deveria apoiar a denúncia da Síria ao Tribunal Penal Internacional".
Ele chega ao Brasil nesta segunda-feira para visitar Brasília, São Paulo, comunidades indígenas na região norte e Rio de Janeiro, onde a AI abriu escritório em 2011.
Salil Shetty chega ao Brasil nesta segunda-feira,5 Secretário-geral da AI (Anistia Internacional) desde 2009, Salil Shetty, 52, não tem dúvidas: a polícia militar deveria ser extinta no Brasil, dando lugar a forças unificadas em um modelo civil.
"O excesso de força é frequente, documentamos há anos casos de tortura e de execuções. O país precisa discutir que tipo de segurança quer."
Ex-diretor da Campanha do Milênio, projeto da ONU para países em desenvolvimento, o economista indiano não evitou divididas em uma hora de conversa telefônica.
Falando de Londres, ele apresentou posições da entidade -uma das mais respeitadas no mundo- sobre maioridade penal, espionagem de governos, golpe no Egito e a relação entre internet e direitos humanos.
Shetty criticou o governo brasileiro pelo que vê como omissão frente à guerra na Síria, onde embates entre governo e rebeldes já mataram mais de 100 mil pessoas, segundo a ONU, e deixaram 1,4 milhão de refugiados: "Rússia e China usaram o silêncio de Brasil, Índia e África do Sul [no Conselho de Segurança]" e "Dilma deveria apoiar a denúncia da Síria ao Tribunal Penal Internacional".
Ele chega ao Brasil nesta segunda-feira para visitar Brasília, São Paulo, comunidades indígenas na região norte e Rio de Janeiro, onde a AI abriu escritório em 2011.
Como analisar as mais de 130 mortes de jornalistas em 2012 no mundo, cinco no Brasil?
A
maioria dos ataques não são isolados, dizem respeito a um problema
maior de segurança pública e de Estado de direito. No Brasil, as vítimas
haviam denunciado questões de terra, corrupção e violação de direitos
humanos. Não são quaisquer jornalistas. A presidente [Dilma Rousseff]
criou um grupo de trabalho, o que é um sinal positivo, mas você sabe
como essas coisas são; comitês nascem, mas poucas medidas são tomadas.
A situação é melhor nos EUA e na Europa?
São
países com histórias mais longevas de liberdade de expressão. Muitas
nações na América Latina são ditaduras recentes com dificuldades em
lidar com a imprensa livre. Além disso, há a fragilidade dos blogueiros,
caso de três dos profissionais mortos no país. A grande mídia tem mais
proteção que os meios alternativos.
Há
algumas semanas, a polícia do Rio de Janeiro prendeu profissionais que
transmitiam um protesto ao vivo por "perturbação da ação policial".
Falta compreensão sobre o que é o jornalismo hoje?
Provavelmente,
mas isso também se liga ao desafio do país sobre como sua polícia
funciona. O excesso de força é frequente. A Anistia Internacional vem
documentando há anos casos de tortura e de execuções. Não tenho dúvidas
de que as polícias civil e militar deveriam se fundir em uma só, e a ONU
já sugeriu há anos que a polícia militar brasileira fosse extinta.
Como a internet age na proteção de direitos humanos?
Não
devemos menosprezar a internet, mas o verdadeiro fenômeno,
principalmente nos países em desenvolvimento, são os telefones
celulares. É difícil quantificar o impacto que têm em prevenir violações
de direitos humanos pela documentação.
O
exemplo da Síria é ótimo: há 30 anos, o pai de Bashar al-Assad fez em
Hama o mesmo que ele está fazendo agora. Porém, na época, ninguém soube.
Agora, assim que os ataques começam já há fotos e vídeos na internet.
Não há mais onde esconder.
Por
outro lado, essas mesmas ferramentas são usadas por governos poderosos e
companhias de internet para vigiar o que se fala e se faz.
Falando em Síria, qual a maior preocupação hoje no país?
O
mais urgente é abrir acesso. Quase 25% do povo está ou deslocado dentro
da Síria ou fora. O número de refugiados já passa de 1,4 milhão e leva
problemas graves especialmente à Jordânia. A Anistia Internacional já
denunciou os crimes de guerra cometidos pelas forças do governo e a
situação se mantém. De tempos para cá, os rebeldes também praticaram
tortura, detenções incomunicáveis, enfim, todo o menu de violações
clássicas. O cenário lá é muito bem documentado, mas ainda assim vai de
mal a pior. Em nossa geração, nunca vimos caso tão grave. É nossa
responsabilidade.
Do Brasil também?
Com
certeza. O país passou a criticar violações de direitos humanos em
âmbito internacional, um sinal positivo. Apoiou moções contra o Irã e a
Coreia do Norte, falou sobre a Líbia, teve papel importante em resolução
sobre direitos de orientação sexual e ganhou proeminência na Comissão
de Direitos Humanos da ONU. Porém, reluta em denunciar a Síria ao
Tribunal Penal Internacional (ICC, na sigla em inglês). Por quê?
A
comissão de inquérito sobre a Síria é presidida por um brasileiro,
Paulo Sérgio Pinheiro, e ele fez forte apelo pela denunciação do país.
Precisamos de uma verificação independente sobre o que os dois lados
estão fazendo.
Em
nossa opinião, o Brasil deveria tomar uma atitude. Sua população tem
laços com o Oriente Médio. Denunciar a Síria ao ICC é uma das poucas
soluções que temos agora para pôr fim às violações de direitos humanos
no país.
Uma intervenção militar pode ser solução?
Não
tomamos posição oficial sobre ações militares. Mas digo-lhe que para
aumentar o número de armas no país, você precisa ter certeza absoluta de
que quem receber essa munição não irá utilizá-la para violar direitos
humanos. E, francamente, é difícil acreditar nisso hoje. A região é
densamente povoada e é difícil distinguir instalações civis e militares.
Sentimos que há outras maneiras de endereçar esse problema, entre elas
soluções políticas, como as que a Liga Árabe ou a ONU sugeriram.
Há base jurídica para isso?
A
"responsabilidade de proteger", também conhecida por "R2P", que surgiu
na conferência da ONU de 2005, determina que a ação militar é o último
recurso. Para nós, isso não está acontecendo. Rússia e China bloquearam
ações na Síria no Conselho de Segurança em 2012. O Brasil estava [era
membro rotativo], mas não se manifestou. Eles usaram esse silêncio e o
de Índia e África do Sul.
Qual sua opinião sobre por quê o Brasil não se posiciona?
Se
você encontrar a presidente Dilma, pergunte-a! Por que está calada? Não
posso responder em seu nome. Os países ocidentais têm diferentes pesos e
medidas. Querem proteger sua soberania e, por isso, assumem tom não
intervencionista. Porém, nesse imbróglio teórico, pessoas estão sofrendo
e morrendo.
Como vê a questão do Egito?
O
fato de que o presidente deposto [Mohammed Mursi] está preso em um
lugar desconhecido e incomunicável é um exemplo de uso desproporcional
da força, algo que se tornou recorrente desde que os militares
assumiram.
É
uma situação paradoxal: durante 30 anos, Hosni Mubarak reprimiu a
Irmandade Muçulmana. Eles finalmente chegaram ao poder e, agora, voltam
ao ponto original. Isso não significa que não cometeram excessos, mas um
erro não justifica o outro.
As ruas pediram um golpe?
Existem muitos atores e é difícil entender de quem são, de verdade, quais demandas.
Eu
apoio a expressão popular, mas, independentemente de advir das ruas, do
Exército ou de um governo eleito, quem quer que esteja no poder tem a
obrigação de respeitar direitos humanos.
Visitamos
campos médicos depois que o Exército matou 51 islamitas e não há
dúvidas de que foi um ato criminoso contra um protesto pacífico.
Dilma Rousseff disse que a espionagem de governos é violação de direitos humanos.
Concordo.
Trata-se de um contexto amplo, ligado a Bradley Manning [soldado dos
EUA que vazou documentos] e Julian Assange [jornalista, fundador do site
WikiLeaks].
Após
a intitulada "guerra ao terror", os EUA e outros países sentiram-se no
direito de violar acordos internacionais, o que resvala na tortura na
prisão de Guantánamo e no monitoramento da CIA.
Estivemos
com [Edward] Snowden quando ele reuniu ativistas em Moscou. Nossa
posição é clara: se ele vazou violações de direitos humanos, está
protegido graças aos direitos de informação e à liberdade de expressão.
Além disso, tem direito ao asilo, como todos, e é nítido que os EUA têm
dificuldade em dar um julgamento justo. Sei que há uma delegação
brasileira indo aos EUA em breve. Ela deveria bater nessa tecla.
E você acha que os EUA vão respeitar seu direito de viajar?
Claramente
não, dada a interceptação do avião do presidente [Evo] Morales. Eles
estão fazendo de tudo para impedi-lo, inclusive agir totalmente fora da
lei.
Você acredita que a Anistia Internacional seja vigiada?
Ficaria
surpreso se não. [risos] Todos amam a gente. Os chineses, os
americanos... Mas tudo bem, não temos nada a esconder. Acreditamos na
transparência.
Nos últimos tempos, crimes praticados por jovens levantaram clamores por redução da maioridade. Qual sua visão?
Somos
contra qualquer redução da maioridade criminal. O Brasil é signatário
da Convenção de Haia sobre direitos das crianças, sua Constituição
confirma isso e o ministro da Justiça já se manifestou contrariamente.
Se você analisar as provas, os homicídios praticados por menores são
casos pontuais, não há uma onda. É preciso ter calma e ponderar as
experiências internacionais.
Como será sua visita ao Brasil?
Solicitamos
um encontro com a presidente e vamos encontrar o chanceler [Antonio
Patriota] e autoridades, além de visitar comunidades indígenas no norte.
Temos muitos parceiros locais na defesa dos direitos humanos,
principalmente desde que abrimos escritório no Rio de Janeiro.
Vemos
um largo número de brasileiros, a nova classe média, que não se veem
como nacionais, mas como cidadãos do mundo. Torcemos por isso. O Brasil
tem muito a contribuir no cenário global.
Fonte: Entrevista exclusiva para o UOL
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